voa

Pensava em levantar, mas a cama era mais agradável. Não tinha obrigações de levantar cedo já fazia um bom tempo, menos tempo ainda que não saia tão cedo em pleno sábado. Preferiu virar para o outro lado e dormir mais. De qualquer forma, se saísse da cama naquele dia não poderia bater na porta do quarto do lado e perguntar se tinha mais alguém. Ele não estava mais lá, nem sozinho, nem com alguém. Era só um quarto ao lado, vazio, cheio de lembranças, cheio de memórias. Que aquela porta de madeira encostada, parecia guardar para não deixar com que se perdessem com o tempo.

Então em uma porta se abriu, mas do outro lado do mundo, adiantado para pegar seu voo com destino mais distante do que aquela porta de madeira pudesse abrir e puxar de volta. Saindo para buscar o que tanto sonhava. Longe de tudo que cuidou e cativou por aqui. Longe da garota que o encontrará de surpresa no aeroporto para dizer o quanto queria que ele ficasse, longe dos amigos, longe das noites da terra da garoa, longe do quarto ao lado.

Rindo como se soubesse que algo não estava certo, mas ainda deitado na cama ele ria do próprio orgulho, do por que não tinha ligado para a saudade, querendo saber o motivo de não ter recebido ligações, de não ter perguntado como as coisas estavam. Por dentro se mordia por saber que o tempo passava e aquela cerveja gelada, naquele famoso bar, daquela famosa vila, não aconteceria simplesmente por um simples orgulho bobo.  Então ele pega o celular com a intenção de já pedir desculpas e desejar boa viagem. O celular toca.

Inacreditavelmente aquele voo não subiu com todas as poltronas ocupadas. A poltrona que levaria a saudade subiu vazia. O tão pontual e organizado, se embananou com apenas um simples voucher que pedia apenas pontualidade. Pois é não deu, mas orgulhoso demais para assumir a culpa. Joga a culpa na companhia aérea, na desordem, a culpa só não é dele que deixou saudades, risadas, memórias e amores naquele quarto, mas o orgulho não. Tá ali com ele, sendo carregado na mala de mão. E o detector não apita com orgulho.

Lógico que não apita, orgulho passa na esteira do aeroporto, mas roda mais do que as outras malas na hora de pegar. Viaja truculento e desconfortável, como uma sonora dor de cabeça. E quem roda mais do que o resto, costuma ficar tonto. E como dizia meu avô, coçar a testa nunca foi um bom sinal.

Liga e fala que perdeu o avião, escuta a risada do outro lado. Que saudade da risada. Volta do aeroporto em direção daquela porta encostada no apartamento, como quem não se preocupa com o que acabou de acontecer, vê até como um ponto positivo de poder viver um pouquinho daquelas boas memórias. Corre bate na porta, abraça aquele velho amigo, senta e começa a despejar todas as merdas que fez enquanto estava longe. É prontamente respondido e rebatido do mesmo nível. Cerveja, cigarros, sorrisos, abraços. Haviam se passados três meses, pareciam três décadas, resolvidas em três minutos, três latas de cerveja, três lanches improvisados, três baseados, três palmos de porta aberta.

O orgulho se joga da varanda, já que aquelas redes de proteção só seguram quem merece, a porta de madeira que antes não se abria agora se escancara como se passasse uma eterna rajada de vento. Mas que assim seja. Que o orgulho não tenha forças para subir os oito andares, muito menos de alcançar seu avião. Que o sorriso que abre portas, continue conquistando corações. Que se saudade apertar, querendo lhe acompanhar, não vá desanimar, jamais se entregar. Um dia você encontra a felicidade. Se é que já não encontrou, mas até ai, um dia você volta pra buscar. Mas em caso de alguma turbulência de orgulho para assumir isso também, máscaras de oxigênio vão se desprender e cair na sua frente. Apertem os cintos, boa viagem e seja feliz.

autor_jorge

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