Frio.

Que frio absurdo que faz lá fora, ruim até de conversar. É aquele frio que inibe que prende a gente, que agasalha, que protege, que parece que te encolhe. É aquele maldito que frio que faz a gente parar e pensar duas vezes antes de sair, faz aquele banho quente parecer a oitava maravilha já criada no mundo. Mas frio por frio faz em todo churrasco depois daquela piscina que te atacam, quando viram um balde de gelo em você após uma vitória difícil contra aquele time do morro. Frio é aquilo que percorre a sua espinha quando passam aquele algodão com álcool no seu braço buscando uma veia, isso é frio. E você sobreviveu muito bem a isso tudo.

Pega então uma bonita camisa, uma cor neutra, não é de chamar atenção. O cabelo desarrumado  já é uma marca tão registrada que você se sente desconfortável quando o penteia na frente do espelho. E mesmo assim penteia, pra em seguida bagunçar. Simples na forma de se vestir, simples no jeans que veste, o tênis um pouco surrado, que ainda dá muito bem pra sair. Não importa o pano que cobre seu corpo, importa seu corpo estar coberto. Sua peça mais bonita ainda é o seu largo sorriso e o papo bom. E parece que hoje os astros resolveram conspirar.

Júpiter se alinha então com Marte. A luz do  Sol reflete de tal maneira na Lua que a mesma sorri tímida pra Terra. Ela parece acompanhar o sorriso da Lua, olha pra dentro da janela enquanto a amiga se arruma. Não estou afim de sair hoje. Choraminga baixo, para a amiga  ter com isso os quatro sentimentos esperados na ordem que ela deseja. Raiva, Birra, Compreensão e Aceitação. Ela linda, cabelo bagunçado, provocante, um vestido negro que deixa o ombro desnudo, a maquiagem com apenas 30% do caminho andado pra ela parece ótima para acompanhar sua cerveja e seu cigarro. Pensam em mais cerveja, pensam em mais amigos, pensam e sair outra vez. Acendem um outro cigarro e abrem mais uma garrafa.

O telefone toca, a amiga então se afasta e fala baixo. Com o rabo de olho a encara, gesticula bastante. Começa a acreditar que em caso de amputação dos membros superiores, a amiga poderia ficar muda. Ela desliga e sorri amarelo. Eles não tinham aceitado muito bem o bolo mas resolveram passar lá pra fazer o esquenta com elas. Ela gostou, uma companhia não seria de todo mal. Mais uma garrafa, agora deitada no sofá enquanto assiste a um filme que parece estar pela metade, ela acredita estar no começo, mas de tão sem pé nem cabeça ele acaba. Não dá nem tempo de xingar, a campainha toca. A visita chegou.

Os olhares se cruzam logo de primeira, não que tenha um leque de opções para se olhar, mas eles se encontram ao invés de se cruzarem. Cumprimentam-se cordialmente e não se destravam. Malditos traços orientais que lhe prendiam a atenção a franja desobediente lhe dava um ar de ousada. De companhia agradável de toques sutis e de um calor acolhedor para aquela noite fria. Maldito cabelo bagunçado, era assim que queria sair? Em completo desalinho? Mas podia. Aliás, podia qualquer coisa com aquele sorriso. Só com o sorriso ele parecia abraçar, parecia acolhedor e confiável, o cabelo desarrumado como as roupas diz ao contrário. Maldito esquisito. Gostou.

Não se senta e já vai direto para a geladeira. Se existisse um paraíso em forma de geladeira seria algo parecido com aquilo, forrada. Volta pra sala com a garrafa na mão, ela olha com o canto do olho, ele recua. Ao invés de acuar aquele olhar parecia atiçar, mas ele não sabia o que responder.  Acabou fazendo o que tinha de melhor, deu um gole e sorriu…

(…continua)

image

autor_jorge

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *