A arte de saber piar…

Um passarinho pousou na minha janela esses dias. Veio cantar que certo dia, ficou com vergonha de si mesmo. Eu com meu “passarinhes” em nível intermediário respondi que ele não tinha motivos para ter vergonha de si. Ele era lindo, cantava relativamente bem e tinha tudo no lugar. Ele me disse que tinha vergonha do que ele queria piar, do que queria expressar, estava curtindo uma fêmea e estava com vergonha de piar isso para ela. Resumindo, estava diante de um pobre animal que estava com vergonha das coisas que ele nem mesmo fez. Eu sabia que queria ajudar, mas não tinha resposta.

Era como se ela tivesse sumido, como ajudar uma pessoa que tem como o maior inimigo dela, ela mesma. Pensei então em mandar ele voar, pelos campos e voltar pra me dizer o que via. Voltou e me disse que via um povo feliz, que vivia com pouco, que aproveitava o que tinha e que se mostrava orgulhoso do que havia criado, cultivado, plantado. Mandei voar agora para o centro da metrópole, pedi claro para que voasse baixo, não queria que nenhuma aeronave pilotada por algum cantor sertanejo matasse meu pobre amigo. Ele voltou e disse que tinha encontrado um povo feliz, que batalhava pelo que tinha e que mesmo mantinha o sorriso na cara. Perguntei se na terra dos pés vermelhos ou na da garoa ele tinha notado alguém com vergonha de si. Ele disse que não. Eles estão tão ocupados em viver, que parecem não ligar pra isso. Me debrucei na janela e apontei pro horizonte.

Consegue enxergar ali, perguntei. Ele balançou a cabeça negativamente.  Você acha que eles conseguem te enxergar, tornei a perguntar. Ele negou novamente. Foi então que respondi, com um pelo sorriso no rosto.
O mundo é de um tamanho tão grande, que nem que você viva duas vidas você vai conseguir conhecer ele inteiro, você nunca vai chorar e o mundo inteiro vai saber, nunca vai gargalhar e mundo todo vai rir com você. Enquanto você ri, em alguma casa uma criança dorme, na outra um senhor morre, uma mãe cozinha, um cachorro late. A vida é tão grande e tão cheia de pequenos detalhes, que a vergonha só aparece se você, deixar a cabeça tão vazia que pensará tanto em você, que você vai esquecer de pensar na vida.

Vergonha é uma coisa que você deveria deixar, trancado na sua gaveta de cuecas.
Quando voltei pro meu amigo, bom ele não estava lá. Na verdade a vergonha dele estava, debaixo de uma pequena pena amarela que tinha ficado na minha janela. Com a vergonha ali, foi fácil de ver aquele bichinho todo engraçadinho, piando seus amores para aquela fêmea com sorte.

É meu amigo, é o inverno, é a vida.
Pie sem vergonha de você.

autor_jorge

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