liga pra ela

Por favor, ligue pra ela. Certo dia ela esteve tão perto, hoje você vê o quão longe de você ela está. Vê o quanto ela esta feliz. Sente sem tocar que a alegria dela continua irradiando todos em sua volta. Que ela chorou por você e que você não queria isso. Liga porque ela quer que você ligue. Porque ela precisava desse tempo sem você. Vocês precisavam se distanciar para se encontrar. Liga porque você já descobriu que nenhum abraço é que nem o dela. Liga porque os seus olhos de ressaca ainda teimam em acordar e buscar pelo corpo dela ao teu lado.

Liga por que ela ainda fantasia em ouvir a sua voz. Que você ainda vai chegar todo ofegante em sua porta, numa noite chuvosa. Ela não se importa em abrir a porta pra ti. Em ouvir as suas palavras saindo quase todas ao mesmo tempo. Não se importa que sua roupa molhada vá passar a noite largada no estofado novo da poltrona da sala. Desde que ela possa ser sua toalha. Seu cobertor. Liga pra ela porque dentro da sua cabeça ela já montou quarto, sala e cozinha. Porque você já não consegue mais pensar em outra coisa que não seja pra vocês dois. Que tudo que é só seu é sem graça. E que você precisa cozinhar seu próximo prato na sua casa em quatro mãos. E diz pra ela que mesmo com o molho de tomate na ponta do nariz, você passearia de mãos dadas com ela pelos quatro cantos do mundo.

Liga pra ela, porque ela fica linda mesmo com o seu moletom. Que quando o vento bate naqueles cabelos castanhos e ela mal sabe como segurá-los, você tem vontade de apertar ela e guardar ela em um pote de vidro para nunca mais deixá-la sumir. Liga por que amanhã ela quer acordar com a sua camisa, ela quer prender o cabelo com a sua caneta prateada que você enfeita a agenda que antes era pra ser de anotações e hoje só tem os recados que ela anotava pra você dizendo que lhe amava. Que se existe um encaixe perfeito para o seu quebra-cabeça chamado vida, esse alguém é ela.

Liga pra assumir ao mundo o que eles sempre souberam. Coloca o número dele outra vez na sua agenda. Mesmo que toque como desconhecido você sabe de cabeça, sem nem pestanejar.
Chama-o de amor. Mas não pelo cabelo bagunçado ou pela mesa do café da manhã bem postada. Chama porque ele é. Liga pra ela pra dizer que a ama. Não pelo carinho que ela faz na sua cabeça enquanto você assistia a um filme, ou pelo sotaque carregado com a qual ela falava todas as palavras que tinham a letra “R”. Mas diz por que ele é.

Liga para parar de sonhar com ela e começa a viver dia e noite seus sonhos de tanto tempo. Pra quando o tempo esfriar, a cama dela ser sua. Deixar o cobertor moldar os corpos de vocês dois como um só. Abraça-a quando estiver na rua, pega ela pela mão e apresenta pros teus pais. Mas faz isso de coração, olha nos olhos dela que eles naturalmente vibram quando se encontram com os dela. Só que faz isso logo. Liga pra ela, antes que eu ligue.

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autor_jorge

uma casa muito engraçada

Antes de sair, olha mais uma vez para o corredor. Ele não é muito extenso, nem muito largo, mas foi perfeito para tudo ser exatamente como foi. Já foi um pouco de tudo: Corredor da morte, matadouro, porta da esperança, pista de skate, lugar para se apoiar o colchão da visita quando não se cabia mais no quarto. Era ali que a gente se encontrava na manhã da ressaca, na manhã da briga, na manhã da saudade. Era sempre uma manhã diferente, ali era o travessão da história que escreveríamos nas paredes daquele dia. Só sabíamos que chegaríamos em nossos quartos, por aquelas paredes serem estrategicamente posicionadas para não cairmos. Agradece ele por mim.

Percebe também que quando fechar as janelas, a luz vai continuar entrando. Alguns lugares não escurecem nem mesmo ao anoitecer, o brilho sempre vem de algum lugar. Seja do sol, da lua, do suor do esforço, a chama de uma vela, da luz que vem de um filme que passa na televisão sem volume. Quem nasceu para brilhar, brilha até na escuridão. Deixa a cama arrumada, mas nada muito perfeito. Deixa o suficientemente arrumado para se deitar. Pode ser que um dia eu volte e queira simplesmente repousar para que as lembranças se juntem sem pressa ao meu redor. Tenta não pintar nada, deixa as cores que estão nas paredes. Eu não sei se essas tinham ouvidos, mas se tivessem teriam sem duvidas as melhores histórias do mundo pra contar. Não muda a cor do fundo da última foto, nem tenta esconder o passado quando alguém vier tirar a primeira foto de uma nova história. Eles vão entender, a mágica tá no ar.

Para um pouco antes de fechar a varanda pela última vez. Ali você teve tantas primeiras vezes. Teve a primeira conversa com a lua, admirou o nascer do sol inúmeras vezes, abriu seu coração pra ela, chorou de saudade, fumou o primeiro cigarro, tomou a primeira multa, a primeira bronca. Não tirou a rede de segurança pelo próprio bem. Acreditava que podia voar, aliás, acredita até hoje. Mas preferiu evitar. Preferiu apoiar o primeiro beijo no sereno, preferiu sentar e falar por horas a fio com a saudade que vivia tão longe. Encheu um espaço tão pequeno de lembranças, que foi melhor mesmo ter a rede de proteção. Era bem capaz de transbordar e cair.

Gostaria de te pedir cuidado na hora de fechar a porta da frente. Ela tem um segredo. Assim como você. Mas só algumas pessoas sabem. Assim como os seus. Cuidado porque dentro dela tem tanta coisa, que só de lembrar meus olhos se enchem de lágrimas. Tinha um aroma diferente de todas as outras, parecia ter o toque de todos que passavam por lá. Acolhia todos de uma forma tão única que sempre saiam dizem que queriam voltar ou ficar ali pra sempre. A gente fica assim mesmo, bobo, sem reação, quando descobre que o país das maravilhas existe quando a gente não fecha a porta pra ninguém. E que cerveja, sorriso e amigos são mais valiosos que qualquer vaso de dinastia Ming.

Leva no fundo dos seus olhos cada pedacinho desse lugar. Hoje eu sei que posso viver mil anos querendo construir um lugar igual e você vai entender o porquê disso um dia também. Conta pro teus netos, que você viu um lugar que a tristeza entrava no copo com gelo e sumia. Ou então virava fumaça. Conta que você viu que a inveja tem sono leve, que mora no andar de baixo e que bruxas existem. Conta que você viu de tudo um pouco, que viveram na velocidade que achavam certo. E saiba que eu vou voltar, eu sempre vou voltar. Não há lugar melhor no mundo que o nosso lugar. Saudade é só o começo de uma eterna lembrança boa.

Fecha a porta, deixa uma chave embaixo do tapete. A outra pode entregar na portaria.

Amém.

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meu oposto

Certo dia, me deparei com um grupo de pessoas falando sobre algo mágico. Parecia realmente ser diferente de tudo que um dia eu já poderia ter visto. Contavam alegres uns aos outros, sobre uma garota que era diferente de todas as outras. Falavam sobre algo que acontecia a todos que a conhecia, de um tal encantamento fora do comum. Uns ousavam dizer que ela não era dessa época, que parecia trazer algo perdido durante esses tempos modernos com ela. Contavam a historia de uma garota linda, de sorriso inocente, de uma pureza apaixonante. Eles falavam de você.

Não precisou muito para que quando você chegasse, ficasse lógico de quem eles tanto falavam. Sem ouvir o seu nome uma vez na mesa, a forma como todos olhavam vidrados para o seu sorriso tímido que cumprimentava todos naquele bar, era uma resposta em alto e muito bom tom. Retirei a minha senha na sua enorme fila de apaixonados e simplesmente aguardei a minha vez para me apaixonar ainda mais. Na hora de me atender, fui recebido por uma simpatia tão envolvente, que por um momento acreditei que palavras que machuquem o coração de alguém simplesmente não faziam parte do seu vocabulário. O problema dessa consulta, é que elas faziam (e muito) parte do meu.

O ruído foi imediato. O atrito foi gritante. Eu estava me deixando encantar pelo meu oposto, mas a proporção com a qual meus olhos brilhavam, nossa distância aumentava. Natural, afinal éramos opostos. Se ela era a parte que apaixona. Eu era a parte que assustava.  Criado na noite e dormindo no sereno, se deixando levar pelas dúvidas em perguntas maliciosas. Pela risada tímida da piada que não entende, mas tem mais vergonha ainda de perguntar o real significado. O oposto chama atenção por ter exatamente tudo que não temos. E se não podemos ter, queremos pelo menos cuidar para que não deixe de existir opostos assim, gestos assim, pessoas assim.

Mas antes o espaço entre nós fosse apenas ocupado por dúvidas, o maior problema das dúvidas é que elas são nossas, mas algumas pessoas sem serem perguntas, se acham no direito de resolver. É nessa hora que o meu cavalheirismo chega aos seus ouvidos em forma de cafajestagem. Que o carinho diferente com o que eu te trato vira um clichê “ele faz isso com todas”.  Somos constantemente cercados de pessoas que acham que conhecem todas as pessoas. Mas não por conversas, atitudes ou tempo. Julgamentos de pessoas que não conhecemos, com base em pessoas que nunca vimos, mas nos julgam iguais. E pronto, tempos um enorme bolo fermentado pelo medo das pessoas se conhecerem.

Desde que te conheci, desejei que você tivesse aparecido antes na minha vida. Não antes de me acostumar em acordar sozinho. De dormir tarde, com dezenas de conversas pela metade antes de deixar o sono me consumir. Queria que fosse antes que eu encontrasse o meu primeiro oposto. Queria que você tivesse sido o meu primeiro amor.

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unilateral

Primeiramente queria dizer que sou criado à moda antiga. E aprendi com a minha senhora, que para que as coisas realmente fossem fixadas na memória deveriam ser escritas. Então me sento sozinho em uma noite de verão, apenas com a luz da lua para iluminar, uma taça do seu vinho preferido para me acompanhar, um pequeno bloco de anotações e caneta que não sai do meu bolso, para que eu possa seguir obediente o ensinamento de quem me trouxe ao mundo. Vou lhe escrever para que eu possa realmente gravar. Vou escrever para não me esquecer de te esquecer.

Quero que antes de tudo, fique claro que está é uma carta de pedido para você sumir. E não para voltar. Que eu aprendi totalmente o recado que você um dia quis dar. E que não se fazem mais necessárias as suas aulas de saudade. Quero que saiba que por mais que pareça eu lhe quero bem. O mundo precisa se apaixonar por você, então peço que já que não foi por mim, que pelo menos você se apaixone pelo mundo. Cansei do telefone que me enchia de esperanças, que tocava quando você bem entendia, que eu atendia orando para um ouvir “saudades”, nem que fosse camuflado em outras palavras, ou até mesmo embargado por um copo de bebida, mas que nunca passavam de assunto sereno e tranquilo, no qual eu fantasiava para depositar os trocados de fé que eu ainda me restavam para aquela prece que nunca foi atendida.

Nunca quis aceitar. Muito menos concordar. Mas não falávamos a mesma língua, nunca falamos. O que sempre impossibilitou uma possível conversa. Você me entendia perfeitamente, eu só entendia o que queria ouvir. Nem sempre é bom ouvir o que queremos e nos fechamos para o que realmente deveria ser dito. Encantei-me por você aos pedaços. Pelo sorriso preso, pelo olho claro que brilhava como uma estrela que não queria se apagar, pela desatenção das conversas, pela saudade que eu não tive, mas que você carregava tanto nas palavras que eu poderia sentir como se fosse minha. Que bom que foi assim. Talvez se tivesse conhecido você completa, com o toque das mãos quando se entrelaçam, com o abraço que acalenta e protege, com o beijo que unifica dois corpos. Talvez estivesse fadado a nunca esquecer teus detalhes, que me já me perduram sem nunca ter vivido.

Você só simplesmente sentia falta do mundo que eu entreguei pra você. Que do alto do trono que eu mesmo construí você apenas assistia todo o reino se ajoelhar. Mas muito tempo na mesma posição cansa, mesmo que de joelhos seja para agradecer. Hoje sinto que aprendi a digerir sua ausência, mesmo com ela fazendo silêncio em todo lugar. Eu queria povoar a sua mente pelo menos um dia da forma como você passeia pela minha. É lindo e trágico. Sem que você queira ou controle, todas as coisas que cercam o dia a dia me fazem lembrar você. Parece que as floriculturas decidem por expor apenas as suas flores favoritas, um festival de arranjos dedicados a você então presenteia a cidade. Sem contar desse seu poder fabuloso de encaixar em absolutamente todas as musicas que a rádio toca, de amores até saudades. Você combina harmonicamente com todas, de lá a sol, me arrepio com algumas estrofes que me fazem até sentir o cheiro do seu perfume. São memórias tão boas que eu desejo que você sinta isso por alguém também. E o mais breve possível.

Ainda ouço de longe sua voz. Como se guiasse ou orientasse cada movimento que faço sentado em uma mesa de bar. Como se soubesse que todos os passos dados na noite, são para esquecer as noites com você. Sou complemente dominado por vontades que você não tem. Vontades que eu sonhei que você tivesse. Querendo me livrar do sentimento bom que hoje me faz tão mal. Desejei tanto não sentir mais aquela falta de ar, que quando me dei conta já estava completamente sufocado. E para que eu pudesse respirar melhor apenas deixei de consumir essa droga viciante e bela que batizei com seu nome. Desintoxiquei-me da alma mais bonita que um dia pude conhecer. E assim como veio, se foi. Não deu não, nem tchau. Eu não entendi perfeitamente como funciona esse tratamento. Só sei que cada dia que passa, vou aprendendo lentamente como tirar você da minha vida. Para que eu volte a respirar, para que eu volte a preencher minha mente com outras coisas. Para que sobre um pouco de mim para que eu mesmo possa aproveitar. Então vai. E não volta.

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simples assim

Me peguei pensando no simples. Em querer sair dessa rotina que o mundo impõe. Sentar em uma pedra mais alta. Ficar apenas deixando a brisa bater, clarear as ideias. Aguardar apenas o sol se pôr. Poder admirar tudo isso ao seu lado. Ouvir você reclamar baixinho do frio que vem com o vento. Querer te vestir com o meu casaco. Você recusar, mas não por muito tempo, para depois se proteger nele. As mangas maiores do que seus braços, escondiam suas delicadas mãos. Te observar se aninhar nos meus ombros, quase toda coberta pelo casaco preto que passa sua cintura e te agasalha como um grande vestido.

Por falar em roupas minhas, que lhe caem muito bem, gostaria de te lembrar que a melhor roupa pra cobrir suas curvas quando você se levanta da cama é a camisa que eu usei na noite anterior. Seja ela qual for, independente de cor, tamanho, estilo ou botão. Um combinação harmonicamente perfeita com seus cabelos presos de forma emaranhada. Adoro os momentos pelo café em que a sua franja não obedece suas ordens. Ela cai suavemente sobre seu olho. Você tira. Ela volta, você torna a tentar se livrar dela. Até que pela terceira vez ela volta. Você sorri sozinha, assopra pra cima apenas parar avisar que ela vai ficar ali e você não liga. Que diabos. Maldita proximidade que ela tem com seu rosto toda manhã. Não me importo com muitas coisas no início do dia. Mas invejo algumas coisas pela manhã: Como alguém de bom humor e a quantidade de vezes que a sua franja pode tocar seu rosto durante o dia. Simples assim.

Tenho que confessar também. Você deveria ser proibida de olhar para trás sob os ombros sorrir tímida. Sério. Não tenho emocional para aguentar isso por muito tempo. Algumas vezes no decorrer do dia, tenho vontade de correr até onde você está, sem que você saiba. Deixar nossos ombros se tocarem e quando nos olhássemos sorriremos, dizendo que não acreditamos o quão engraçado é o acaso. No caso, o acaso sou eu. Vejo respostas em você, de perguntas que eu ainda nem sei como fazer. Você sabe exatamente como arrepiar todo o meu corpo com o toque das suas mãos. Parece ser tão fácil, que acredito que você tenha meu manual de instruções. Seu corpo deitado, se molda perfeitamente ao meu deitado. Se isso não é o destino dizendo que a gente se completa, talvez seja ele falando que a gente se encaixa perfeitamente. Simples.

Escreveria um livro para você. Escreveria também um livro pra explicar o que eu sinto quando você cruza o meu caminho. Meu maior problema é que mesmo que eles fossem dois exemplares separados eles seriam tudo. Tocante, delicados, apaixonantes. Só não seriam simples. Paixão talvez seja isso. Tão complexo e tão simples. Tão intenso e tão brando. Você me faz perder todas as palavras do mundo quando preciso te descrever, mesmo que esteja com um dicionário nas mãos. Acredito que um dia eu possa lhe trazer uma simples flor da sua cor favorita. Mesmo que tenha que buscar nas montanhas mais altas, de algum país que ninguém coloca no roteiro das viagens. Mas para que ela simplesmente chegue até suas mãos. E faça você sorrir, por mais simplório que seja. Simples entender que eu amo você. Simplesmente por você ser assim, simples.

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vocês

Deu a lógica, simplesmente aconteceu o que acontece com todos que te encontram. Parece piada, uma lenda da mitologia grega. Você petrifica, hipnotiza e apaixona. Sem qualquer poder de reação da vítima. Basta olhar o fundo dos teus olhos castanho. Sejam eles na mesma altura quando conversamos numa mesa de bar. Ou vindos de baixo para cima, como enquanto você se aninha em meu peito, quando deitados na mesma cama eu apenas deixo nossas respirações conversarem. O seu toque é doce em tudo. Da forma como você pega na minha mão, como arruma o cabelo ou simplesmente a forma como você desce os ombros daquele seu belo vestido preto. Aconteceu o que sempre acontece com quem lhe conhece. Eu me viciei.

Não muito longe, mas algumas vezes perto demais. Me encontrava diante de um desafio. Um lindo e provocante desafio. Diante de tantas outras que me olhavam e procuravam, ela simplesmente não parecia se importar com o fato de eu estar ali. Degustando lentamente cada palavra dita que não era pra mim. Usava todos os conhecidos meios para chamar a sua atenção, em vão é claro. Queria conseguir olhá-la com a mesma arrogância e prepotência que ela olhava ao seu redor. Era a prova viva de alguém que sabia do próprio poder. Bastava um leve sorriso, acompanhado de uma olhada do canto de olho e pronto. Por muitas vezes vi pessoas caminhando em sua direção e gastando todo seu vocabulário na busca de uma possível atenção. Mas ela só queria isso, testar a paciência de alguém, brincar com o controle emocional de algum pobre coitado. Massagens são muito boas, massagens no ego são inexplicáveis.

Enlouquecia quando o sol nascia e junto recebia um alegre sorriso quando o acaso nos fazia esbarrar pelos elevadores. Ganhava o meu dia no seu bom dia. E o mundo poderia simplesmente se acabar do lado de fora, viveria para sempre naquele pequeno espaço sorrindo com o seu sorriso e respirando o seu perfume. E delicadamente você se despedia, a porta do elevador se abria e te respondia querendo na verdade falar para você ficar. Quando a lua surgia, meus olhares cruzavam a mesma leoa da noite anterior, sedutora, confiante e que tinha totalmente a situação nas mãos. Orava aos anjos para que a situação daquela noite fosse eu. Mas a minha distancia dos abraços dela eram sempre inversamente proporcionais a intensidade do meu desejo de não sair dali nunca mais. Ela levantava sorria rapidamente pra mim, mas gargalhava quando lia alguma mensagem no celular que não parava de piscar. A maior atenção dela nunca era eu. Enquanto pra mim ela era a única atenção do mundo. Mesmo assim, você era a melhor coisa que eu nunca tive.

Tinha milhões de faces, milhões de sorrisos e olhares que eu me sentia confuso e parecia querer decifrar um de cada vez. Apaixonei-me por cada uma das personalidades que você me apresentou. Eu apenas mantinha meu medo de me declarar para a que não se importaria em nada de ouvir o quão importante todas elas eram pra mim.  Vez ou outra me deparava com alguma mascara sua caída, vendo as pessoas julgarem, dizendo que você queria se esconder. Tolas. Conheciam apenas uma ou duas. Mal sabiam que era você apenas tentando se proteger. Eu me encantava perdidamente por cada faceta nova que você me apresentava. Por cada tom de sorriso diferente que você acordava. Enquanto todos os outros pensavam em te centralizar em uma só. Eu implorava para acordar abraçado todo dia, com todas “vocês” diferentes que eu poderia conhecer. E me apaixonar a cada raiar de dia como se fosse a primeira vez.

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tô com falta

Tô com falta de tempo. Resolvi dedicar todo aquele pouco que me restava totalmente comigo. Foi então que eu me fechei. Parei de olhar por toda a minha volta e comecei a olhar pra dentro. Só que eu acho que eu olhei demais. Arrumei toda a minha bagunça, acho que deixei as coisas tão do jeito que eu sempre quis, que hoje não quero absolutamente ninguém para desarrumar, ou pra dar palpite. Fui juntando os cacos de pratos quebrados no passado. Não varri nada pra baixo do tapete e joguei absolutamente tudo fora. Coloquei pratos novos, louça de qualidade. O problema todo é que algo intacto não tem história. Sem histórias as coisas vão ficando vazias. E se nem pessoas prendem por muito tempo apenas pela beleza, o que dirá pratos e louças.

Tô com falta de ar. Parece que alguma coisa não deixa com que tudo que eu inspirasse chegasse da forma correta aos meus pulmões. Eu precisava desobstruir o que não me deixava respirar. Mas não sabia exatamente se eu queria tirar esse obstáculo do caminho. Toda aquela fumaça dentro do meu peito, era apenas resultado de um antigo vício. Mas como qualquer vício, de alguma forma aquilo já tinha me dado alguma satisfação. Triste mesmo, era sentir que toda aquela névoa negra que arranhava minha respiração era como o motivo dos meus sorrisos tinha acabado.

Tô com falta de coragem. Principalmente de ir atrás de algumas coisas que fui deixando pra trás sem nem ao mesmo tentar manter. Resolvi ir deixando tudo que pudesse me chamar um pouco de atenção de lado. Hoje estou aqui praticamente suplicando por alguma coisa que me tire dessa rotina acomodada. Alguma coisa que me coloque fora desses velhos trilhos, talvez porque eu já não aguento mais fazer o mesmo caminho por tanto tempo. Já sei todas as estações que me aguardam sem nem ao menos pestanejar. Só me entristece o fato de que nenhuma estação me faz ter vontade de descer e ficar.

Tô com falta de juventude. Meu rosto ainda engana as outras pessoas passando uma coisa que já não sou. Envelheço a cada mês, não a cada ano. Fico me cobrando de saber mais que os outros, de estar sempre ciente de tudo que é colocado em pauta. Nessa busca incessante da vitória, perdi a glória de chorar. Deixei a inocência em alguma brincadeira que não sei mais como se brinca. Tirei todas as minhas dúvidas por conta própria e não perguntei pra ninguém. Quis provar que era possível saber tudo sozinho, que fiquei sem ninguém do meu lado, para que eu pudesse contar tudo o que eu sabia.

Tô com falta de amor. Rezo todo dia para que eu não tenha gastado o meu todo de uma vez. Mas não o vejo em nenhuma prateleira para vender. Não acho nenhum bar que me venda doses dele. Faço pesquisas, faço inúmeras perguntas quase todas elas sem respostas que realmente possam me ajudar a responder essa dúvida. E fico com a sensação, de que pelo menos pra mim, ele possa ter acabado. Essa sensação agonizante de uma atenção que o mundo insiste em não me dar. É mais assustador ainda quando fica fácil de ver que o amor não esta faltando só pra mim. E então me desespero, machucando o coração, tirando dele uma das suas funções básicas: amar.

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o dele e o dela

Bom dia para o chefe. Para os colegas de sala. Senta na sua mesa. Ele iniciando o computador.  Abre o navegador e em sequência suas abas são: notícias do seu time, bolsa de valores, caderno de ações e rede social dela. A musa dele. Já não se falam mais. Mas ele continua ali de longe como se tomasse conta de algo. Não faz nada. Não interage. Apenas observa. Maravilhado com as palavras dela, com a mudança no corte de cabelo, simplesmente ele a vislumbrava, mesmo que a distância. Já havia mandado flores, se declarado, mudado a sua forma de ver o mundo, tudo por ela. Mesmo que ela não soubesse que era. Vira o celular contra a mesa e brinca com ele, a capinha usada ainda é aquela que um dia ela pediu para ele guardar. Ela nunca mais pediu. Ele nunca devolveu. Era uma forma de ele a ter por perto o tempo todo.

Num outro canto. Junto com as amigas no salão. Ela falava sem parar ao telefone com ele. O motivo daquele sorriso bobo dela. Já havia marcado todos os seus passos durante o dia para que quando o encontrasse naquela noite. Saindo dali ainda passaria na drenagem, depois shopping para escolher o salto que combinasse com o vestido que também era novo. A noite era só deles. O que ela não sabia era que o telefonema era para desmarcar o encontro da noite. Que ela seria tomada pela vontade de ficar em casa. E que ele sairia sem ela. Se fosse com outra garota ou com os amigos já não importava mais. A lágrima já escorria rapidamente pelo canto do olho, sem que ela tivesse controle algum.

Dadas as suas devidas proporções, eles sofriam com as suas intensidades. Suas fantasias de união e felicidade sem que seus motivos soubessem. Era mágico e intenso. Só não era recíproco. No meio desse monólogo de sofrimento, as pessoas que os rodeavam sabiam das suas frustrações sentimentais. E quis o destino que naquela noite, o acaso os cruzasse. A solidão dos intensos. Com a prepotência dos admirados. Cada um no seu cenário. Cada um com a quantidade de raios da lua merecido. Em alguns lugares, colaborados pelas luzes do globo de luz que iluminava a pista. E foi lá que as solidões se esbarraram.

Ao pedirem ao mesmo tempo, a mesma bebida, ao mesmo barman. Pareciam estar querendo esquecer a mesma coisa. E estavam. Riram. O sorriso dela durou mais que o dele. O dele foi interrompido pelo nome dele perguntando o dela. Saíram de lá e foram apresentar os amigos, dançar, repetir os respectivos drinks iguais. Até que o inevitável encontro dos lábios aconteceu. Era intenso. Como se tivessem guardado esse momento especial para alguém. Os corpos encostados um ao outro conversavam pelo tempo desperdiçado entre eles. Como era bom o dançar das mãos dele nas costas dela. A delicada mão dela que brincava com o rosto dele. Poderiam ficar ali pra sempre. Se o pra sempre deles não tivesse sido prometido para alguém quem não os merecesse (…)

Ela então saiu de perto dele, encontrou com as amigas que a procuravam. Sorriu apenas. Respondeu todas as perguntas delas. Foi embora e antes de dormir, viu o horário que a razão de seus sorrisos havia visto as mensagens pela última vez. Pensou em mandar algo, mas preferiu não incomodar. Enquanto ele, saia da balada ainda, indo embora na carona de um amigo brincando com a capinha da sua musa, com a cabeça encostada no vidro e sorrindo. Tentando fazer com o que acabava de acontecer substituir a vontade de estar com a dona da capa.

Não muito longe dali, a razão do sorriso dela e a musa dele se encontraram. Se esbarraram umas duas vezes, uma na saída do bar outra na saída do banheiro. Pediram desculpas um ao outro apenas uma vez. Mas eram tão desatentos para dar atenção para as intensidades que já desperdiçavam neles, que a desatenção deles só se fez mais desatenta. O acaso fez só questão do óbvio. Os dispostos se atraem, os opostos se distraem. Como já dizia o mágico poeta.

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criada pela amargura

Naquela cadeira, amarrada e amordaçada, a mocinha daquela peça, chorava copiosamente enquanto envolto apenas de uma capa preta, o vilão sorria e bradava seu maligno plano para a platéia. Até que então o óbvio acontece, o mocinho chega, expulsa o vilão, liberta mocinha. Aos sons dos suspiros e aplausos a cortina se fecha. A luzes se ascendem. A cortina reabre. O elenco se curva. Ela não sorri, apenas aplaude e se levanta. Por educação e sem nenhuma surpresa. Sou a falta de emoção, criada da amargura.

A torcida inflama o estádio, as bandeiras estremecem com fortes solavancos em seus mastros. O momento é melhor para o seu time. Berra, xinga, esbraveja. Culpa a mãe do lateral direito por ele não dominar uma bola. Põe em dúvida a opção sexual do meia esquerdo por não saber cruzar. Fala como se entendesse, se junta aos milhões de técnicos de arquibancada.
O zagueiro não acompanha a explosão do atacante, que com um molejo leve de uma ginga brasileira, pedala para um lado e corre para o outro. Rede balançada, torcida inflamada, aplauso dado. Sorriso guardado. Apenas esmurra o ar como se ele merecesse. Sou o desabafo entalado na garganta, criado pela amargura.

As peças de roupas jogadas pela cama grande, formam tantas combinações que com tantas opções de escolha, prefere dizer que não tem com o que sair. O namorado apaixonado, já cansado no sofá, aceita e escuta todo seu enorme discurso de descontentamento com o armário. Aceita trocar o programa que antes era dele pelo o que ela possa escolher. Não uma peça que possa usar, e sim ampliar a já enorme dúvida dela do que vestir. Veste um velho jeans e uma camisa preta que deixa um de seus ombros a mostra. Assim simples, desvia os olhares de quase todos que a cruzam. Aponta o nariz para o céu e continua seu caminho carregando suas dezenas de sacolas. Sou a arrogância e a prepotência, criada pela amargura.

Hoje ela sorri menos, prefere gastar mais em nãos, ou mais em roupas. Mas tem hoje a estabilidade que tanto que queria. A rotina que o antes ela tanto fugia. Talvez, seja mais fácil vender felicidade do que senti-la de verdade. E em meio a tantas coisas que parece ter se esquecido nessa vida, além do belo sorriso e do “melhor abraço do mundo”. Prefere incluir o tempo nesse emaranhado de perdas. Como se nada tivesse sido bom o suficiente para se absorver e se passar pra frente. Sou a forma de esquecer alguém, criada pela amargura.

Mas ainda hoje, se diverte assistindo desenhos animados enquanto toma café, mesmo lendo livros de Jorge Amado antes de dormir. Ainda prende o cabelo de diversas formas, mas a mais bonita delas, ainda é feita sem ordem e com raiva, e sempre é seguida de um “dane-se vou assim mesmo”. Tão linda que quando você se vira e sai, seu reflexo ainda continua te olhado e sorri tamanha sua graça. Ainda escuta músicas para lembrar da infância, ainda se pinta de animais ou afina a voz, para arrancar sorriso de crianças em qualquer que seja a ocasião. É a que desculpa com a alma, mas não desculpa com as palavras pra ter a razão com ela o maior tempo possível. Sou a lembrança boa, que mantêm sua amargura. Para que você ainda possa chamar de amargura, aquele amor que tanto te desapontou.

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avermelhou

De todas as minhas perguntas não respondidas, você é a que carrega os maiores pontos de interrogação até hoje.  Nunca consegui me convencer de que você se foi, muito menos consigo aceitar que você ainda pode estar aqui. Passo por lugares que antes estivemos juntos e procuro alguma forma de manchar essas lembranças, para que finalmente eu as apague. Sou metódico e detalhista. Não aceito essas perguntas sem respostas, esses pontos sem nó da vida. Apagar-te da minha vida, seria uma forma confortável de responder pro meu coração como eu lidei com essa minha covardia que carregava o teu nome.

Pensei que eu realmente já tinha visto todo tipo de intensidade nesse mundo, até o dia em que você passeou como um ciclone pela minha vida, bagunçou, revirou todas as minhas gavetas mal arrumadas, deixou sua voz ecoando por essa minha cabeça vazia. Tornou cada ponto que você tocou como seu, me enchendo de lembranças sorridentes que eu me delicio recordando até hoje. Só nesse começo de ano, eu me apaixonei e desapaixonei umas quatro vezes por você. E se esse nosso amor não é eterno, pelo menos ele é insistente.

A forma como você encarava toda a realidade bruta que o mundo pregava, em qualquer outro caso seria insanidade. Mas todos os seus atos harmonizavam com seu jeito de uma forma tão encantadora que seria tolice de qualquer um dizer que você não tinha personalidade por trás de toda a sua loucura. E acho que foi exatamente onde eu te perdi, ou te deixei ir. O maior medo do louco é encontra alguém mais louco do que ele. Alguém que torne as suas loucuras pequenas e simples. Alguém que esteja acima das suas insanidades, vai tratar os seus medos como bobagens e vai tornar qualquer situação que possa parecer complicada para todos, simples e inofensiva.

Escrevo essas palavras esperando que algum dia você leia, imagino que seu jeito acelerado não deixe que você repare que falo de nós dois. Escrevo em caneta vermelha, para que cada traço avermelhado de tinta que se espalha pelo papel, me reforce a lembrança dos seus fios de cabelos espalhados sem sentido em meus braços, quando você repousava sua cabeça em meu ombro e desabafa sem parar. Sem respiro, sem medo de ser interrompida. Sem medo de ser você.

Não tenho força para te pedir que volte, mas tenho coragem para te pedir que siga. Que você continue forte e intransponível como sempre pareceu ao mundo, mas que continue respirando fundo dentro de um abraço seguro, como um dia você teve o meu. Espero que você continue gritando quando não deve. É egoísmo de quem conversa querer não dividir a sua atenção. E que um dia você volte a desabrochar no meu jardim, linda, com suas pétalas vermelhas. Dessa vez eu prometo que não vou te colocar em uma redoma de vidro para guardar. Quero apenas podar seus pequenos e poucos espinhos, decorar algum acessório que eu possa expor para todo o mundo. Afinal de contas, você é tão especial, que combina absolutamente com tudo.

autor_jorge