Quarto 72

Ele tão seguro de seus atos, acreditava que aquela noite seria mais uma noite como todas as outras. Primeiro se livrou do terno, desarrumou seu cabelo, e então começou a desalinhar sua gravata. Estava ofegante, ansioso. Parecia que esperava por aquilo por muito tempo, e simplesmente não sabia a que certamente se referia. Seus olhos pareciam buscar algo, ou alguém. Já com a camisa aberta, ele corre para a cozinha, pega sua sagrada e inseparável garrafa de cerveja, abre enquanto volta para seu sofá onde seu computador o aguarda. É noite de sexta, todos os seus amigos já não estão mais online. Essa vida nova parece ter lhe tirado algo além da sua conta no vermelho, tirará também a sua tão amada vida social.
O celular vibra, o coração acelera. Poder ser ela, pode ser ele, pode ser simplesmente alguém. O importante é que lembraram que ele existe. Era simplesmente uma mensagem, parecia ser direta, mas não era. “Não fica mal cara, tamo junto, qualquer coisa me liga”. Era de Yuri, um de seus melhores amigos, afinal a vida de terno e gravata ainda não tinha lhe tirado os bons amigos. Ficou sem entender, e voltou para o computador. Abriu sua pagina que ainda tinha na rede social. Abriu e entendeu a mensagem que lhe foi enviada. Ela tinha superado, ela tinha entendido que tudo aquilo havia acabado, ela estava com outro, e oficialmente.

Tinha que ser forte, ele ainda alimentava aquela ilusão de que um dia os erros seriam perdoados, que uma nova oportunidade poderia surgir, ele ainda acreditava que eles poderiam voltar. Era simples, a vida dela continuará a vida como havia dito que continuaria. Ela definitivamente o acordou daquele sono fantasioso, com aquele status. As cinco palavras que pareciam não ter fim. “..está em um relacionamento sério.”
Um misto de vontade parece flamejar na sua garganta, ele simplesmente ri. É a única coisa que não é sincera, de todo aqueles seus sentimentos, o riso. A vontade vem debaixo, começa com a vontade de gritar, e vem subindo rápido, conforme vem subindo passa por seu órgãos vai se tornando uma tristeza sem fim, parece que enquanto aquela vontade pelo seu coração, o mesmo se perde em um buraco sem fim, um buraco sem volta, parece que o coração se perde. A vontade não para de subir, e aquele grito libertador, que agora é acompanhado por uma tristeza enorme, chega a cabeça, e se torna raiva, a expressão que a pouco tempo era um riso amarelo, agora se torna um expressão fechada, séria. O punho se fecha, a sua vontade é de acertar um pelo cruzado de esquerda na tela do computador, mas o seu lado racional ainda deixa claro que isso não é o mais correto. Sobra pra pobre garrafa de cerveja que ainda esta na metade, sobra pra ela, e pro tapete felpudo que enfeita a sala. A garrafa explode no chão e seus pequenos vidrinhos, representam bem o coração, está em cacos.

Mesmo com a expressão de raiva ainda tomando seu rosto, é impossível deixar de reparar que uma lagrima escorre do canto de seu olho esquerdo, é uma lagrima sincera, extremamente pura. É uma lagrima de saudade. Corre para o quarto, em meio agora as lágrimas que escorrem dos seus dois olhos, que agora ainda ardem em raiva ele abre sua segunda gaveta, tira rápido as roupas que estão lá guardadas, e puxa um recado, ou um texto. Escrito ainda na folha de caderno, com desenhos em cor de rosa, enfeitando a folha, ele começa a ler em voz alta:

“Desculpa, acho que me atrapalhei sozinha, acho que confundi as coisas…” mas logo para, sua voz esta embargada demais. Apenas lê, e imagina então a voz dela, lendo o texto pra ele. “Desculpa, acho que me atrapalhei sozinha, acho que confundi as coisas quando acredite que conseguiríamos ser mais que amigos.Quero que você seja só meu, mas não queria te dar o que você pede. Não sei se estou pronta, para ser mais que sua amiga, mas sei que não estou pronta hoje pra perder a sua amizade. É um medo enorme, que vem mesclado com curiosidade, você é cada dia mais apaixonante, mas só queria que entendesse o meu lado, queria ser o que você tanto quer, mas tenho medo de não conseguir, e assim acabar te perder duas vezes. Desculpe, Aline.” Agora o choro não lavava mais a raiva, e sim um sorriso amarelo, de quem estava feliz por dentro.
Acabará de ler uma carta que ela o escreverá quando ainda estavam tentando começar, algo. Ele havia tentado avançar a amizade, ela recuou. Depois correu atrás, e não quis perder, ele viu naquela carta algo que tanto buscou. Sabia que por trás daquelas palavras, escrita com uma caneta azul estava alguém que sentia algo sincero por ele. E ele nunca havia sentido isso antes. Foram dois anos muito bem vividos, e pareciam que tinham terminado. Ou melhor, não pareciam, haviam realmente terminado.
Levantou-se meio motivado e meio entristecido, limpou suas lagrimas com a gravata que estava jogada no sofá, foi até seu computador e colocou uma música, no volume máximo que aquele micro poderia suportar, e começou a recolher os cacos que estavam espalhados pelo chão. Estava se recompondo, aos poucos, mas estava.

Cantava alto, como se a musica desse a sensação de liberdade, e a cada caco que recolhia, era como se juntasse um pedaço de si. A vida tinha continuado, ele havia crescido, ela também, ela se tornou feliz e ele agora tinha de se tornar, e não deixar se abater por cada dificuldade que a vida colocava a sua frente. Não foram apenas de momentos ruins que viveram, mas os ruins realmente foram difíceis, a grande maioria do tempo que passará na dúvida. Como toda vez em que ela hesitava o responder um te amo. Ou todas as piadas em que não tinha um sorriso como resposta, não foram anos tão fáceis. Ele aprendeu a ter limite, é verdade, mas ela também aprendeu um pouco que o mundo tinha de ser um pouco mais colorido.

A música termina, e então um alerta vem junto com o final da musica, alguém estava chamando no bate-papo. Era Raquel, perguntando qual seria a programação para aquela sexta, que agora já era quase uma madrugada de sábado chuvoso. Ele respondeu que não sabia, ela apenas sorriu. Ela disse que estava de saída, ele perguntou pra onde, para o sofá respondeu. Ele então ofereceu um filme, nada muito meloso, nem nada muito trash, algo que pudesse ser visto enquanto comiam uma pizza e saboreava um bom vinho, ela disse que era uma boa opção. Ele sorriu, te espero aqui então. Levo o vinho ela respondeu, vou me arrumar então. Ela saiu, ele também. Enquanto corria para o banho, mandou uma mensagem para Renata. “Te vejo amanhã?” Nem bem entrou no banho, recebeu uma mensagem de resposta: “Pode ser, aonde e que horas?”, “Aqui no flat,  quarto 72, umas 21:30, um fondue, um filme e um vinho que tal?”. Foi então se arrumar, e quando o interfone da recepção tocou informando que Raquel estava lá embaixo, ele lia a resposta. “Por mim tudo bem, mas se ficar muito tarde acho que não vou ter como voltar =/”.

Ele sorriu, não respondeu, apagou a mensagem, dirigiu-se até a porta do seu flat, e respondeu para Yuri. Recebeu Raquel com um selinho, um sorriso malicioso e um ar sedutor.

Enquanto isso, em alguma balada, o celular de Yuri vibrava e recebia uma mensagem:
“Por maior que seja a minha dor, ninguém tem que ser maior que meu sorriso. E não esqueça cara, malandro não para, malandro dá um tempo brother, tamo junto”

image

autor_jorge

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *