Casa do Pai Jorge

Vestiu-se nessa noite para deixar rastros nas mesas de bar com seu caminhar perturbador. Cabelo solto, pernas se exibindo, salto alto e o pescoço de fora para mostrar que é dona do seu coração. Anda com a certeza de que quando vai embora algo fica para trás marcando um sentimento em quem se pergunta qual mistério e segurança tem essa mulher que mostra tudo nos olhos.

Sozinha sai à procura das amigas para ter mais uma noite marcante. Risadas, uma garrafa de vinho e dentro da bolsa guarda os segredos de uma beleza perturbadora. Alguns tentam desvendar, porque chama tanta atenção e marca presença no pensamento dos mais observadores. Outros deixam passar sua figura por alguma conversa fiada que estava tendo com outra nem tão interessante como ela.

Mas é só ter um olhar desviado para sua direção, que parece uma coisa louca e de outro mundo. Hipnotiza, acelera o coração, dá um calor e aquele impulso de saber o nome dela brota a qualquer custo. Mas enquanto ela anda só foca no que realmente se decidiu a fazer nessa noite: se divertir. Tudo o que ela quer é o sol, a lua, o momento e tudo o que é bom para fazer daquele momento ser único como sempre.

Não se interessa pelo papo vago, pelo que não agrega, pelo cara de palavras óbvias e cantadas marcadas que encantam quem não tem coração de pedra. Pode ser provocação para saber o seu limite, saber até aonde ela vai chegar e quem vai encontrar.

O seu destino é a rua, é a luz do poste que ilumina seu caminho. Seu perfume marca o lugar, o olhar traz perigo e o que não espera pra noite acontece no meio de toda essa segurança. Sempre sai com determinação de não criar expectativas. Inconscientemente é claro, porque no fundo o seu lado romântico quer encontrar alguém que a faça tremer as pernas. Sentado de canto, na mesa no fundo do bar, quem sempre se fez receber todos os olhares encontra um coração vazio e despreocupado. Na hora a atenção dela volta para ele. Misterioso, despojado, tatuagem, do tipo que impressiona.

Os seus desejos são os mesmos e como a gravidade se atraíram. Tinha que ser. Ela esquece toda a marra do andar seguro na calçada da frente do bar e abre espaço para conhecer o desconhecido. Esse momento muda os seus planos, o seu rumo. Prazer morena! Pode me chamar de amor, de paixão, de uma noite inesquecível, do que você quiser. O tempo está passando e o fim da noite chegou. Vamos?

Oi, e então, como estão as coisas?
Espero que neste exato momento você esteja em algum cômodo de uma casa ampla, de madeira, cheia de livros espalhados e com cheirinho de café. Espero que ela tenha móveis rústicos, janelas grandes e uma música perdida vinda de um canto qualquer.
Espero ainda que você esteja feliz, que tenha realizado grandes coisas, conhecido lugares distintos, ouvido outras músicas e lido novos livros. Espero que tenha transformado vidas, que tenha aprendido mais.
Lembra daquela época em que me escreveu? Eu lembro, você era uma menina afoita e cheia de sede de viver. Queria tudo muito, tudo em abundância. Lembro que você repetia incansavelmente: “- Prefiro me arrepender por meus excessos do que por não ter vivido!”
Concordo, sempre concordei. Mas lembra das ressacas morais e das mensagens impensadas pro ex? Bom, ossos do ofício, mas deixa pra lá…
Você cresceu, você aprendeu a superar.
E eu nunca vou poder explicar tua força, ainda que quisesse e estudasse milhões de enciclopédias sobre dor. Você perdeu pessoas pelo caminho e aprendeu, desde cedo, que doer não significa ceder.
Você enfrentou e soube administrar. A dor não é algo que se possa controlar totalmente, mas nosso corpo e nossa mente, cabe apenas a nós controlar.
Agora posso te recordar daqueles amores de filme? Posso te lembrar que você também já foi uma menininha indefesa e de coração quebrado?
Lembra que você chorava e dizia que queria morrer? E das vezes que nem conseguia respirar de tanto chorar?
Você vai rir agora.
E você se tornou independente, auto suficiente e cheia de certezas. Eu lembro dos dias que você afirmava “Vou morrer sozinha, ninguém vai conseguir ficar comigo.” Olha menina, você era difícil, mesmo. Mas você se tornou inatingível, se protegeu dentro de uma redoma que te proibia de ver que existem, sim, pessoas tão interessantes quanto você.
Eu espero que você tenha deixado alguém te fazer feliz, e eu sei que você sempre acreditou no amor, eu sei que você não deixou de acreditar!
Quero que teu coração esteja sereno agora, quem sabe tenha alguém, quem sabe esteja mesmo sozinha.
Eu não sei, só sei que se você está lendo isso, você chegou até ai.
Não deixe nunca, nunca, de sorrir.
E não esqueça de tudo que te trouxe até aqui.
Preserve suas marcas, conserve as cicatrizes e as olhe com respeito.
O amor mais bonito ainda é o teu por ti.
A canção mais serena ainda é a tua respiração antes de dormir.
O conforto mais singelo ainda é a tua consciência tranquila.
Você ainda é aquela menina…
Senta comigo, serve um café pra dois?
Um, pro seu Eu de ontem, outro, pro Eu depois!

Tô perdida.

Completamente confusa.

Desnorteadinha.

Juro. Tudo culpa de vocês.  Seus malucos. Que aparecem na nossa vida, na mesma intensidade de um caminhão abandonado na ladeira. Imperáveis. Chega até a assustar. Entram fazendo estardalhaço, iluminados pelas luzes do ambiente. Confundo os sorrisos de vocês, confundo a alegria de vocês. Confundo a vontade que vocês têm de vencer na vida. De conquistar o mundo. Fico assustada, de como você acreditam que o mundo vai acabar amanhã. Assustada não. Com inveja, mesmo. Vocês passaram tão intensos pelo agora, só para que eu pudesse entender que o momento não é chamado de presente por acaso.

Meu coração, que sempre foi meio sem rumo, ficou agitado. Pulava dentro do peito. Sempre que aquele sorriso largo repousava as mãos sobre meu corpo, sentia minhas mãos tremerem. Queria me aprisionar naquele abraço. Colocar aquele traço forte do teu rosto dentro de um potinho, só pra que ele não tivesse como fugir. Queria ter direito de filmar os nossos momentos, só pra poder ficar assistindo e aprendendo com a sua leveza. Puxa meu cabelo com força e me beija com carinho. Desabotoa-me com uma mão e então me hipnotiza com o toque dos teus lábios. Eu não quero que isso acabe, nem quero que você vá embora.

Mas você a verdade, é que você nunca esteve aqui.

Você já se apresentou dando adeus. E não sei em qual momento eu desenhei um futuro pra nós dois, que me esqueci de abrir o presente que você queria viver. Encantei-me pela companhia de outro abraço e despejei todos os meus medos no colo dele. Acho que vocês devem vir da mesma seita. Do mesmo grupo de selvagens. Ele sorria em cada lágrima que eu despejava por tua causa. Acariciava meus medos e aqueceu uma saudade que nem era dele. Eu tinha todo o direito de me encantar. Ele era absolutamente tudo que eu queria que você fosse.

Deixei meu cabelo repousar no travesseiro dele. Com o coração exposto na tua prateleira. Fui perdendo meu ar aos toques dele e quase chamei o teu nome. Por muitos instantes desejei que meu carinho fosse batizado com o nome dele. Queria ter o direito de me encantar por diversos sorrisos de um mesmo espaço, sem sentir o peso do mundo me olhando. Quero sair da cama dele para a sua. Quero viver o agora. Quero entender como vocês são tão felizes nesse mundo cheio de julgamentos, como vocês são tão leves se vossos corpos pesam tanto quando estão dentro de mim.

Sou confusa nessa vida, pois não sei dosar amor.

Adoro despejar carinho em todo canto. Aonde merecem e aonde não precisam. Aos que ficam e aos que vão. Tenho medos que nunca foram meus, que transmito para pessoas que ainda nem conheci. Preciso aprender a desviar dos traumas dos outros, para aprender a caminhar com as minhas próprias pernas. E talvez um dia eu consiga entender, que não faz sentido dizer que morreria de amor nessa vida, se ainda deixo meu amor próprio morrer.

Tô confusa.

Eu sempre te quis por perto só que você me mostrou que o mundo te chamava para longe de mim. Por vezes desenhei nossa história para se encaixar no meu corpo e te ter de verdade, como eu sempre quis, como sempre sonhei dormindo e acordada. Muito tempo se passou, mas eu ainda lembro do seu sorriso que faz seus olhos ficarem pequenininhos toda vez que estampa seu rosto.
Fecho os olhos buscando inspiração para escrever e você me abraçando me vem na cabeça. Sua sede de fazer várias coisas e desejando estar em diferentes lugares ao mesmo tempo me dava medo de te perder. Quando você realmente disse que ia viajar aquilo me doeu como eu nunca tinha sentido antes. Amor de garota sabe? Daqueles que o choro chega sem avisar e só vai se acalmando com o ritmo da respiração controlada e certeira de que eu preciso ser forte.
Tinha que te esquecer. Você foi o primeiro a me fazer sentir ter alguém do meu lado, desejar também que aquilo da gente fosse verdadeiro. Tão verdadeiro quando a gente se olhou pela primeira vez desejando um ao outro. Já nos conhecíamos de anos atrás da época de criança, mas foi numa fase de divisor de águas do nosso futuro que uma música nos envolveu.
Até hoje temos o hábito de falar da música. Nem faz meu estilo, mas naquela noite e no meio de tanta gente você estava parado sozinho e eu andando pela multidão em busca de aventuras te encontrei. De braços abertos você começou a dançar e sorrir para mim e eu me encantei. Naqueles dias só tínhamos um ao outro.
Só que o destino e a sua vontade de conhecer o mundo nos levaram para caminhos diferentes. No meio deles sempre nos esbarramos e eu ouvia suas promessas de que eu era diferente e perfeita para qualquer homem. Mas e você….em que momento entra nessa minha história? Não era perfeita para você?
Até que uma foto sua me voltou a derramar lágrimas. Do computador vi sua alegria em alto mar e achei que era o fim. Eu tinha que por um fim. Anos se passaram, conheci outras almas, outros olhares, alguns não me permiti ver profundamente e outros ultrapassei os limites. Mas nada que me fizesse sentir de novo o que eu quero.
E nessas de querer me perder em outros abraços você sempre aparece. No meio dessas palavras que aqui escrevo eu converso com você e voltamos a fantasiar como tudo poderia ter sido diferente. Mesmo tendo um continente de distância que nos afasta eu ainda acho que tudo o que a gente sentiu um pelo outro não acabou. Meus cacos eu até já juntei. Só peço que as promessas e as palavras que me diz não façam eles se quebrarem novamente.
Ps: coloquei nossa música de fundo para escrever nossa história. Sei que ela ainda não acabou e muitos parágrafos podem ser ditos. Por hoje acho que deu certo, porque meu sorriso é feliz com você, mas preciso te ter por perto. Volta logo.

Todo dia começa igual.
Independente do dia anterior, dos sonhos e pesadelos, de quem dormiu contigo ou de quem acordou ao teu lado.
Você abre os olhos e o milagre está ali, presente. Você consegue perceber a intensidade de tamanha simplicidade? Abrir os olhos, um movimento simples das pálpebras. Abrem, imediatamente a íris absorve a luz que habita o lugar e te avisa que você está viva.
Bom dia!
Que puta milagre é a vida.
Quando paro e penso em tanta sutileza e complexidade me sinto tão, tão agradecida, que tenho vergonha de lamentar.
O amor ás vezes não dá certo, as pessoas vão nos magoar, algumas perdas são inevitáveis, sim, eu sei. Mas enquanto minha pálpebra abrir de manhã, não há motivo para sofrer. Já dizia o poeta: A dor é inevitável, o sofrimento é opcional.
Tudo, TUDO, é ponto de vista.
Você pode chorar pelo término de um romance ou sorrir por ter aprendido a conviver com alguém diferente de você.
Você pode praguejar para os céus o quanto sua vida é uma droga ou agradecer por ter uma.
Você pode se corroer por causa dos problemas que parecem insolucionáveis ou não se preocupar exatamente por não terem solução.
Pode ser assim, ou não.
E eu não cheguei aqui de repente… Minha vida já se habituou em cenários tristes, desolados, semelhantes a filmes de Almodóvar.
Não desisti, não esmoreci.
Não me permiti desistir. Não me permiti esmorecer.
É tudo entre você e você.
Chora, deita na cama e derrama tudo, se afoga em lágrimas, sal e lamento. Liberta o tormento e alforria a tristeza.
Só sabe ser feliz quem sabe sofrer.
Se permita, também, entristecer.
E depois, quando tuas pálpebras te mostrarem de novo o milagre do despertar, acorda e sorri, e lembra de tudo que te trouxe até aqui.
É que o dia nasce e o sol está lá, sempre, ainda que não esteja,e eu estou aqui, recebendo a graça de ser aquecida por ele. Poderia reclamar de mil coisas fora do lugar, de milhões de contas pra pagar, de trilhões de vontades que ainda não matei, mas escolhi agradecer.
E você?

Tô escrevendo pra fugir de um possível olhar de tristeza. Pois na verdade me falta coragem para falar contigo outra vez. Escrevo como uma forma de brigar com meu desespero e uma última súplica para os meus santos. Faço isso com uma distância segura de ti, pois sempre me entrego aos teus encantos. Sempre acredito na sua melhora, sempre compro a sua coragem com prazo de validade. Conto isso longe, pois eu confio em você e não confio em mim.

Não confio nesse meu coração mole. Antes fosse a carne fraca, mas sem dúvida o que eu passo é bem pior. Eu tenho olhar de adulto apaixonado por crianças. Tenho sonho de ser pai e acho que qualquer hora é hora. Sou apaixonado pelas minhas irmãs caçulas, ou seja, sou geneticamente programado ao fracasso quando tratamos da sua famosa cara de dó.

Tomo seus problemas pra mim, quase sempre. Abraço muitas vezes mais eles do que você. E a bagunça começou com teu comodismo descansando nas minhas asas. Problemão. Daqueles que tiram o nosso sono. Que nos deixam com olheiras e que esquecemos na comida. Irritantes, mas que precisam ser combatidos. Mas não por mim. Por ti.

Eu posso segurar o teu escudo por toda a vida, mas não posso segurar na sua mão junto com a espada. Também tenho medo de muitas coisas, mas a minha vontade de ser feliz é maior. Não aposto corrida com o mundo, pois é ele quem dita o tempo. A Terra é honesta na divisão dele para todos nós. Tentar antecipar o futuro, por feridas do passado, sem viver o presente é a forma mais triste de envelhecer por dentro.

Então deixo cravado nessa carta que eu posso ser o motivo da sua melhora. Mas que eu não posso melhorar você. Que eu tenho medos que já me tomam anjos demais. Estar ao seu lado não é querer estar na tua frente. Que eu enfrentaria o mais sanguinário dos exércitos ao teu lado, desde que você acreditasse em você como eu acredito. Pois meu amor, não existe medo que não desapareça no vento, quando a coragem está ao nosso lado, mas nosso amor vem dentro.

Pois o amor mais bonito, ainda é o próprio.

Então volte a se amar.

Depois, me ame.

Por favor.

Eu tinha certeza que pizza era minha comida preferida. Alguém perguntava “Uma comida?” Na lata, sem pestanejar, eu respondia “Pizza!” E eu tinha certeza que uma companhia não poderia alterar um sabor, um cheiro, uma vontade… Meu celular vibrou.

– Vai fazer algo hoje a noite? O que você acha de dar uma volta por ai? – Oi, claro! O que “cê” acha de uma pizza? – Opa, as 20hs? – Perfeito!

Banho, jeans, camiseta, perfume, chinelo. Desço 5 minutos antes. Espero.

– Oi! – sorriso. – Oi! – brilho no olhar.

– Hey, o que você acha de caminhar? Tudo tão perto, deixa o carro aí, vamos andar! – Só se for agora! – sorriso e brilho no olhar.

O céu estava lindo. Inteiramente pontilhado de estrelas de milhões de tamanhos e formatos e brilhos próprios, singulares. Passos sem pressa. Pizzaria com mesinha na calçada, cadeira estofada forrada com um tecido terracota florido exato. Lindo.

– Boa noite, algo para beber enquanto escolhem o sabor? – Coca com gelo e limão, por favor! – Para mim o mesmo!

Sorriso, conversa, pertencimento. Enquanto a coca invade o copo e faz com que gelo e limão mudem de posição decidimos nossas metades:

-Meio atum especial, meio portuguesa.

Meio timidez, meio saudade. Algum tempo depois:

– Pode por favor embrulhar pra viagem?

Conta paga, metade metade. Depois da pizza, a mais saborosa da minha vida, e do caminho de volta pra casa, um convite pra entrar.

– Quer subir? Podemos ver um filme, fazer brigadeiro. – sorriso tímido. – Claro, tem um ótimo que acabou de estrear. – sorriso extrovertido.

Pode parecer engraçado – bem longe do trágico – mas numa sessão de Netflix podem surgir quantas variações de abraço? E dentro de um abraço, quantas sensações de aconchego? Dentro do aconchego, quantas certezas de lar? Pode parecer engraçado mas, antes de você me deixar usar tua íris como espelho, como eram as imagens que ela concebia? Como você respirava antes de dormir? Como batia teu coração depois de sorrir? Como agiam teus pés diante do fundo, e tuas mãos frente ao profundo? Pode parecer engraçado, sem nenhum resquício de desastre, mas como você acordava antes da minha cama? Você era bonito da mesma maneira, ou os meus olhos te deixaram assim? Você acordava sorrindo, ou foi meu lençol com cheiro de alecrim? Você era o mundo de alguém ou tornou-se o meu de repente? Eu não sei, mas enfim… Deixa ser assim. Silêncio.

Não tem data comemorativa e os programas de televisão só passam mais do mesmo. Vou deixar nossa série favorita passando para os móveis da sala. Vou arriscar um plano de fundo que seja do seu gosto, só para o caso, do acaso, te jogar por esses lados. Talvez você resolva sentar um pouco no meu sofá. Deixar o teu perfume nas minhas almofadas só pra eu dormir abraçado nelas durante o resto da semana. Vou deixar a porta encostada então não precisa de chave.
O telefone só vai tocar com o meu despertador, então hoje ninguém vai incomodar o nosso sossego. Pode aparecer de madrugada e nem precisa me avisar. O povo aqui do prédio já te acha da família, pode subir e nem precisa usar o interfone. Então me visita nessa madrugada, pois eu ando acordando cada noite com mais sede de você. Minha garganta seca de saudades suas. Tô na abstinência mais bonita que eu já vivi. Preciso de uns goles de ti.
Seu gosto ainda não fugiu dos meus lábios. Ou então já fazem parte de mim. É estranho. Nunca me senti assim. Fico de olhos abertos buscando o teu olhar, mas quando fecho, só consigo pensar em ti. Não tem vicio que substitua esse efeito que você anda causando aqui dentro, pequena. Parece que você tá levando um pedacinho de mim, toda vez que desce do meu carro. Quando me deseja boa noite. Quando me beija na ponta do nariz, antes de adormecer no meu braço.
Saudade de madrugada é um sentimento perigoso, é como se a gente sentisse falta de um cenário. Como se a gente quisesse aplaudir tudo que tá ao redor do quadro. Como se fosse possível reviver tudo que não foi enquadrado. Eu tenho que reviver todo dia um pouco de você, pois a bebida insiste em colocar uns brancos em alguns bons momentos que eu vivo contigo. Queria que caso você não viesse, pelo menos fosse à certeza de um sonho. Ao menos seria um excelente motivo para que eu adormecesse sorrindo.
Então queria que você soubesse que essa noite eu queria viver você outra vez. Que eu quero voltar para aquela conversa sem pé nem cabeça, que parecia fluir de uma maneira tão bonita que nem vimos o tempo passar. Quero que você escolha os filmes do nosso final de semana, do próximo Oscar e da nossa Lua de Mel. Quero mais uma noite com teu sorriso, pra poder aproveitar como se fosse à última coisa que eu posso fazer na vida.
Quero poder ter a chance de acordar com um café na cama, um beijo na testa e um cartão apoiado na xícara do café. Quero escrever um romance em prosa, pra você ler com voz de sono e acordar com esses seus três sorrisos. Os lábios que cortam corações e os olhinhos que se fecham como se conversasse com anjos. Quero meu coração disparando mais uma vez de madrugada. Dentro desse coração medroso e cheio de calor, existe uma princesa, que eu adoraria mimar todos os dias da minha vida pela manhã.
Passa por aqui.
Saudades.

É ela.

Nela que você pensa antes de dormir, quando ela te deixa dormir, porque ela habita teus sonhos. E teus pesadelos.

É nela que você vai pensar quando for ao cinema, no japonês ou na sorveteria com alguém que não seja ela, vai lembrar do sabor que ela pedia e de como sorria enquanto comia.

É dela a música que vai tocar na balada, na festa de aniversário e no casamento do seu amigo, todos estarão dançando e você… você se sentirá perdido.

É dela o perfume que vai invadir teus pulmões vez ou outra no meio do expediente. É dela o andar que você vai ver nas pernas de outras moças pelas ruas.

É dela teu gosto por livros, músicas calmas e filmes fantásticos. É dela teu apreço pelo simples, por andar na praia, por ter uma mão pra segurar.

É ela tua saudade, tua poesia, teu olhar. E ela era tua e você não percebeu que era ela. Tão sua, tão ela. Hoje, pergunto, que dor invade teu peito ao lembrar dela?

E ela, o que será que hoje passa na cabeça dela?

Você sabe que a perdeu, mas pegue o telefone, ligue pra ela.

Eu não sei quem é ela, mas posso supor que, talvez, ela ainda esteja esperando que você perceba que é ela.

Porque ela já sabe quem é.

Porque ela é ela.

E você também sabe que é ela.

Eu soube que teria alguma coisa especial, quando as cores foram ficando cada vez mais vibrantes naquele dia. Diferente dos outros, não teve chuva. Não teve barulho de trovão e a janela lá de casa ficou aberta de propósito. Soube quando não me irritei com a minha bagunça. Quando as minhas roupas amassadas não arrancaram meu humor pela manhã, quando a minha toalha molhada foi ignorada (e reutilizada). Soube ainda mais quando a rádio tocava uma música que eu quase chamo de minha.
Soube, quando me disseram que a noite seria entre amigos, que não teríamos hora pra voltar e que poderia pedir o meu prato favorito mais tarde. Quando o meu telefone tocou dizendo que todos estariam prontos no horário e que hoje eu quase acreditei que ninguém fosse atrasar. Soube quando antecipei a minha passagem de avião e voltei antes do que eu pensava pra minha cama. Soube que seria bom quando me contaram que cruzaria seus olhos naquela noite.
Quando a nossa risada era em sincronia mesmo quando mal conseguíamos escutar o tema da pergunta. Quando nossos olhares conversavam durante a noite enquanto nossos copos secavam. Soube quando sua cabeça repousou sobre o meu ombro durante a noite e entrelaçou teu braço no meu. Soube quando olhei o nosso reflexo pela janela e descobri que adoraria enquadrar aquela imagem para resto da vida.
Soube ainda mais pela nossa caminhada com as mãos entrelaçadas e conversa em harmonia. Percebi pela forma como o seu carinho percorria a tatuagem do meu braço e como o sofá moldava o nossos corpos perfeitamente. Arrepiava com as nossas conversas em voz baixa para não atrapalhar o filme. Soube que era você, quando percebi que torcia para que suas histórias não tivessem fins, só pra eu não ter que parar de ouvir a sua voz no pé do meu ouvido. E por Deus, como isso era bom.
Soube, pois nossos corpos dançavam sem música e numa das coreografias mais bonitas que eu já assisti. Soube quando invertemos o tempo e as horas se tornaram segundos, enquanto eu orava para que os minutos durassem dias. Pois nossa mão entrelaçava dormindo e você sonhava sorrindo. Soube quando admirei o seu descanso com o mesmo brilho no olho de quem avista uma cidade nova da janela do avião. Soube quando seu nome começou a me causar arrepios.
Mas só soube disso tudo, pois você deixou que eu fosse exatamente tudo o que eu sempre quis.
E a gente sabe que é amor, quando alguém faz a gente acreditar em nós mesmo, de uma forma que ninguém entende.
Afinal, só a gente sabe.