sozinha…

Me contaram que você tem um novo amor, me disseram que você sorri pra ela como nunca sorriu pra mim.

Eu senti uma pontada aguda no fundo do peito e, por alguns instantes, esqueci como respirar.

Olhei ao redor e percebi que o mundo inteiro estava vazio.
Estou sozinha, você não vai me levar em casa hoje…

Eu não te disse adeus, eu não te contei que, no dia que te beijei pela última vez, a beleza sumiu, a música morreu.

Agora o céu escureceu e eu não tenho certeza de que o sol virá amanhã…

Todas as minhas certezas me abandonaram e você nem me viu.

Ás vezes eu só queria seguir mas me pego andando em círculos, sempre volto pra você, sempre lembro do que sentia quando os teus braços eram o meu abrigo, não havia perigo e o perigo me abraçava tão bem…

Agora estou aqui, escondida e invisível enquanto você a beija, acredite, nada poderia me ferir mais.

Lembro que antes de você eu me sentia perdida, agora me sinto muito mais, como se nunca fosse achar o caminho de casa, como uma criança que volta sozinha pela primeira vez da escola…

Se meu corpo fosse de vidro e meus sentimentos possuíssem formas, todos sentiriam pena de mim. Poderiam observar meu coração lutando para continuar batendo. Fraco, exausto, quase vencido.

Veriam meus pulmões tímidos, cansados de processar o ar que mal recebiam, exauridos.

Se meus pensamentos fosses conspícuos, as pessoas me parariam nas ruas e me convidariam para tomar chá, talvez água com açucar.
Se minha cama pudesse, ah, eu tenho certeza, me abraçaria e faria carinho em meus cabelos enquanto diria que tudo ficará bem.

Se eu mesma possuísse controle sobre o que sinto, se fossem tais sentimentos concretos, arrancaria-os de mim e os jogaria no mar, pela janela do carro em algumas estrada desconhecida, quem sabe guardaria numa caixinha transparente para sempre lembrar de como eram e de como me faziam sentir…
Desejaria não ter coração.

Desejaria nunca ter te visto.

Tão trivial pra você, tão crucial para mim.

Eu continuo aqui, sozinha…

E nada pode me fazer companhia.

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autor_kamila

ela queria ser saudade

Ela foi embora.

Ele ficou parado. Imóvel. Refletindo.

Ela seguiu.

Ele sentiu saudade.

Não era uma conta muito difícil. Somaram absolutamente tudo o que podiam um do outro. Foi intenso. Mas chegou ao fim. Como tudo chega. Quando a porta bate pela última vez, a gente fica refletindo sobre o que acabou de dizer. Dura alguns breves minutos. Horas. Algumas vezes até dias.  Argumentos, simplesmente são cuspidos pra fora. Como se fossem armas letais em uma guerra. A gente ataca pra se defender. Pra machucar. Morde quem tanto assoprou. Passa os outros dias conversando sozinho. Continua o debate embaixo do chuveiro.

Fala sozinho. Aliás, falar com o outro é a última das alternativas. Quando eu conto para o espelho, era o que eu precisava falar. Não o que você precisava ouvir. Pode parecer confuso, mas você me entende por fazer exatamente igual. E faz quando senta com as amigas pra falar das infantilidades irritantes dele, mas quando escolhe a sua bebida, pede aquela que ele te mostrou pela primeira vez. Toma um gole devagar e sente o gosto dele percorrendo a sua garganta. Enquanto a sua voz elenca cada um dos defeitos que lhe irritavam tanto.

Ele construindo um castelo de desculpas para apresentar na janela dela. Dizendo para os amigos que está bem, que a vida seguiu. Enquanto planos impossíveis são arquitetados no coração, para poder sentir outra vez os cabelos dela escorrerem pelo braço dele. O cérebro perto da boca era ardiloso e racional. Movimentava com cuidado cada palavra para que o coração dela nem sonhasse o quão amassado o dele estava. O coração um pouco mais distante, ainda batia na esperança de repousar encostado ao ouvido dela. Ele a queria. Mas ele precisava que ela fosse.

Precisava para poder entender que cada espaço da ausência de carinho na vida dele, era moldado perfeitamente, com os traços do rosto dela. Ou não. Ela precisava viver tudo que ainda não havia vivido tudo que seus olhos só assistiram de longe. Ela precisava sentir o gosto de cada desgosto amoroso dos outros. Ou não. Ele sempre cercado de lembranças precisava de uma sem explicação. Ela precisava ser uma. Tinha um dom incrível de não deixar saudades.

Não deixava por achar que amores não podem perdurar até se tornarem carinho. Precisava por uma pedra pra poder sentir segurança. Ele colecionava saudades com o maior orgulho do mundo. Aplaudia sozinho, cada conquista daquelas que um dia passaram no seu abraço. Ele sempre fiel ao silêncio para resolver as coisas. Resolvia devagar e sem pressa. Daquele jeitinho só dele, acreditando que no final tudo vai dar certo. Ela precisava de um estardalhaço, pra acreditar que estava fazendo algum efeito. Precisava fazer barulho de alguma forma pra não ouvir a própria saudade.

E talvez seja por isso, que a gente custe a acreditar que pra ter um começo precisamos ter um fim. Que não precisamos esquecer pra superar. Que ninguém aprende se apagar tudo da memória. Que carinho e amor tem um gosto estranho. Que arrepia. E às vezes até arde. Tem gente que passa isso sendo presente. E gente que não sabe fazer saudade. Põe pedras.

Ele seguiu

Ela parou. Refletiu.

Ele foi embora.

Ela sentiu saudades.

E o mundo deu mais uma volta.

Fim.

TOME

 

 

não é preciso morrer

Eu estava disposta a deixar meu coração ser pra sempre teu.
Eu queria te dar o meu amor todos os dias, até o último dia.

Sonhava em segurar tua mão por todos os caminhos e, quando não houvesse caminho, aceitaria construí-lo com você.

Eu me disporia a entender teus defeitos, teus dramas, teus traumas.
Me dedicaria para que nossa relação fosse sempre leve, sempre intensa, sempre sempre.

Poucas coisas são tão bonitas quanto ter coragem de assumir um erro, uma falha, uma imperfeição.

E essa tua busca por algo inexistente empurrou o nosso amor precipício abaixo. Ele caiu! Ainda tentou sobreviver e buscar ajuda mas, infelizmente, não resistiu aos ferimentos.

Mortes são sempre dolorosas.

E necessárias.
Tirei aquele vestido preto do fundo do armário e fui, os olhos embotados de lágrimas, fui.

No velório eu chorei, chorei quando cobriram o buraco com terra, chorei no caminho até minha casa, chorei por dias, semanas, meses.
Minhas glândulas lacrimais entraram em greve e pediram aumento de salário. Como eu não podia pagar tive que reduzir a jornada, elas gostaram e passaram a trabalhar menos. Menos vezes por dia, menos dias por semana, menos semanas por mês.

Comecei a me sentir bem e decretei que elas só trabalhariam em datas especiais como casamentos e formaturas e, às vezes, em momentos inesperados, como finais de livros e filmes bons.

Todos ficaram satisfeitos.

Eu sorri!
Quando fecho os olhos hoje, ouvindo alguma música bonita ou refletindo sobre algo que li, me esforço pra te rebuscar.

Não sei precisar um dia, um momento na escala do tempo. Só sei que agora, depois de incontáveis lágrimas, soluços e dores, você se transformou em sombra. Ás vezes ainda vejo, mas sem perceber você se dissipa no vazio feito a fumaça dos cigarros que fumei tentando te sufocar dentro de mim.

Nem sempre é preciso morrer pelo fim.

Ainda lamento algumas coisas como o fato de que não lembro mais qual era a cor dos teus olhos…

Engraçado, logo esses olhos que me desarmavam, me derretiam.
Olhos que despertavam os sentimentos mais bonitos que devem existir.

E quando eu achava que sabia tudo, você vinha cauteloso e vertia em meu ouvido palavras que despontavam novas sensações.

Era grata!

Era bom.

Era, verbo no passado, pretérito imperfeito do indicativo.
Imperfeito como eu, como você, como todo mundo é ou, pelo menos, como todos deveriam ser.

Então, desejo que um dia você enxergue que a perfeição reside exatamente em sua inexistência.

Só é perfeito o que não pode ser palpável. Como o amor, que existe independente de nossa vontade.

Ele nasce sem querer e morre quando tem que morrer.

Mas o detalhe mais incrível dessa história é que o amor sabe renascer.

Por isso o luto é válido. Para tornar o espaço livre, passível de novo uso.

Depois dessa concessão, depois de respeitar sua dor, segue.
Segue adiante.

Diante do fim, há sempre uma escolha primordial: Perceber que a diferença entre viver e morrer é bem sutil, muito tênue.

O que define o caminho é uma decisão bem pessoal.
De vez em quando vale a pena ser racional!

 

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autor_kamila

é hora de acordar

Queria acordar do meu sonho e te sentir segurando minha mão! Ao dizer que tudo vai ficar bem eu voltaria a acreditar que a vida me escolheu apenas para sorrir. As lágrimas que cortaram meu rosto até alcançarem o contorno do meu pescoço se dissiparam quando você chegou.

Antes tudo era uma completa confusão. Cores, sabores e texturas se confundiam com o verdadeiro significado das coisas. Com você a vida se torna leve, se torna intermitente, de tanto que meu corpo vibra com as sensações de quando você está perto e longe de mim.

Você torna tudo mais sensato quando diz as palavras que se encaixam no que estou sentindo. Parece até mentira, mas eu acredito que você pode ser perfeito pra mim. E se isso for acontecer espero que a perfeição seja eterna.

Que meu sonho não termine e você não seja mais a foto que guardo. Sonho bom é pra ser vivido, então vou até o fim do mundo para te trazer para dentro dos meus pensamentos. Como daquela vez que você ficou junto à mim até eu adormecer mais uma vez e me ver sonhando com um mundo distante.

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autor_helena

a vida é um milagre

Foi a primeira coisa que veio na minha cabeça agora, enquanto observava uma criança no colo de uma moça. – Olha só isso, tanta perfeição! E ai a gente cresce e para de enxergar o milagre que é podermos sentir tudo que sentimos e abrigar a vida dentro de nossos corpos. A gente cresce e esquece do principio fundamental da existência: Estamos aqui para fazer algo, algo que talvez não saibamos ainda mas, algo importante. Tal qual nossos ancestrais que inventaram a roda, a escrita, que descobriram a eletricidade, a gravidade, o cosmos.

Podendo fazer tantas coisas, tendo tantas possibilidades, o que nos leva a ter uma vida meia boca? O que nos faz preencher nosso tempo com coisas tão insignificantes, simplórias, burras? Tendo conquistado a liberdade que conquistamos, a inteligência, porque ainda insistimos em nos comportarmos feito seres irracionais? Não sei, se você vier comigo no raciocínio vai perceber que a maioria dos seus comportamentos também são meio estúpidos para alguém com um cérebro tão desenvolvido.

Concorda? Como você tem usado seus neurônios? Eu poderia exemplificar te lembrando o quanto você fica idiota quando encontra o ex na rua. Lembra? Pois é. Aquela cara de árvore, aquele desejo de chamar atenção, aquele teatro todo de “sou foda, forte, não tô nem ai pra você, foda-se, chegando em casa eu choro!” Que porra de evolução é essa que não deu em nada? Cadê Charles Darwin?

Me explica como pode ser tão involuntária essa regressão mental, por favor, eu preciso entender. Ah, outro exemplo: Sabe quando a gente chega na balada? Isso, arrasando. A gente entra parecendo angel da Victoria’s Secret, passos certeiros, roupa, maquiagem, cabelo impecáveis. Linda, absoluta, Absolut. Perfeito, extremamente seguras. Ai você vê aquele cara, é, aquele. Em 5 segundos toda a sua segurança escorre pelo chão e se esconde em alguma fresta indetectável. Novamente você está parecendo uma palhaça de circo, só que menos engraçada. Faz tudo pra chamar a atenção dele. Esbarra, sorri, olha, olha de novo, morde os lábios, cruza as pernas. O boy? Nem te viu. Trash, filme de terror. Imaginem um mundo onde as pessoas falam o que querem. Imaginou? Seria foda! Mas não, as pessoas preferem esperar que as outras adivinhem o que elas querem. Esse povo que sai de casa só pra ser admirado, nariz empinado, nem pega ninguém, mas todo mundo tá olhando porque é bonito, gostosa, peituda, qualquer coisa…

Eu penso o seguinte hoje: Quer? Vai na fé. Chega junto, fala de uma vez. Não eleve ninguém, não endeuse alguém por ser bonito, por ter um carro bacana, por ter grana, pense em algo menos efêmero. Goste de pessoas que te fazem rir, que te permitem o exercício da liberdade plena. Alguém que está ao teu lado por vontade própria, que não liga pra imposições da sociedade. Se interesse por pessoas que são bonitas por dentro também, que amam a vida, que transmitem coisa boa no olhar. Beleza passa, acaba, barriga tanquinho um dia não surtirá efeito, cabelos caem, pele enruga, você só é o que você sabe.

Você só é o que você é.

Quem é você?

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autor_kamila

abraços não são contratos

Caro, boa tarde.

Antes de qualquer tipo de retaliação que possa acontecer no futuro, gostaria apenas de informar que esse processo segue apenas as normas que já são um padrão, principalmente nos dias de hoje. Mesmo não sendo muito habitual, sempre trabalhei de uma maneira clara. Preto no branco, como você mesmo gostava de falar. Infelizmente tal clareza não foi recíproca, o que poderia ocasionar uma quebra de contrato. Mas abraços não são contratos. Pelo menos nunca foram da sua parte, tendo em vista que você sempre se arrepiava quando eu escorregava em alguma conversa de bar, citando teu nome junto com alguma palavra que fizesse alusão com relação. Coloco no papel para que fique claro para sua compreensão. Querido, tratando de coração isso nunca foi uma negociação.

Talvez se eu trabalhasse com alguns tópicos você conseguiria organizar as tuas próprias idéias. Dessa forma compreenderia que sempre tentei ser um ponto de paz para tua vida. Diferente de como era tratada já no final desse teu “pseudo-contrato”  quando aliviei teus problemas, nunca lhe dei o direito de me culpar por eles. Existe uma diferença colossal em solucionar teus devaneios e me tornar culpada por eles. Tentei alinhar algumas vezes, respeitando o fervor do teu sangue. Talvez o barulho da tua própria voz, estarrecedora, tenha feito você pensar que estava com a razão. Querido, numa relação, quem cala não consente. Só sente. Logo, antes que esse meu bom senso me torne igual a ti, peço que entenda a insatisfação da minha parte. Alinhando expectativas de ambos os lados, desejo que você despeje tuas loucuras no espelho. Já que tua impaciência já saturou o meu sorriso e preciso ser honesta em dizer que tenho sentido muita falta dele esses dias.

Sinto falta pois o mesmo sempre foi meu principal holofote. Nenhuma campanha publicitária ou nenhuma estratégia é eficaz se o produto não tiver qualidade. A recompra de qualquer produto só acontece quando precisamos experimentar mais uma vez aquela sensação. Você me vendeu uma belíssima apresentação. Comprei pela capa, pelo conteúdo detalhado pela perspectiva de crescimento que consegui enxergar. Infelizmente a entrega ficou muito abaixo da proposta. Prefiro quebrar o contrato por aqui. Desse contrato em conjunto, só as minhas folhas estão assinadas. Você nem leu o primeiro parágrafo. Deixa tudo na minha conta. Eu faço questão de pagar tudo com juros e correção amorosa.

Pago sem dor, por não ser a primeira vez. Por entender que estou gastando pensando que poderia ter economizado. Mas é bem verdade que economizar nessa situação, me privaria de sorrisos. De cabelos ao vento e suspiros bobos só de olhar a tua foto. Disso eu não me arrependo. Sei que você também. Quebro um contrato, não me dou por quebrada. Vou pedir algum empréstimo de carinho com meus amigos ou com a cerveja gelada. Vou gastar todas as minhas milhas que acumulei pra nós dois. Vou sossegar até que o dólar caia junto com a sua saudade.

Pra então abrir minha sala para planejar tudo outra vez. Começar algum projeto. Investir novamente em algo que eu não conheço. Acreditar que do outro lado existe alguém tão bom quanto você não foi. Comprar esse amor na planta, sem se preocupar com nenhuma empreiteira que venha construir. Perder e ganhar pra poder ensinar pros meus filhos que o amor não me mata. Pelo contrário. Me tornou forte o suficiente pra ver que quando resolvemos ampliar nossos negócios temos que abandonar alguns hábitos. Vento que venta de lá, a gente aceita. Mas só venta de cá se a gente que quiser.

Obrigado pela atenção.

Att.

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autor_jorge

tem gosto de você

Era uma noite maravilhosa. Dessas gostosas que toda cidade de praia costuma fazer para presentear os visitantes. Nenhum semáforo fechou do caminho da minha camisa até o prédio dela. Pontualmente cheguei. Aguardei que ela descesse. Linda, com o batom que eu havia elogiado em uma outra foto. Perfume suave, não atacava minha alergia e se fazia presente. Ignorei o abraço vazio, pois era recíproco. Preenchia o meu cotidiano. Era mais do mesmo. Abri a porta do carro e puxei a cadeira no restaurante, como minha mãe educou. O fim da noite dela foi o pedido naquela mesa. Ela pediu por ficar bonito na foto. Pelo sabor suave e o curto tempo pra que ele chegasse. Errou em pedir o seu prato preferido. Errou muito.

Errou pois aquele prato anda com gosto de saudade, desde o dia em que você deu duas garfadas de sucesso na sua vida. Deixou o sol bater atropelar a sua janela do quarto. Não se importou com a minha presença no seu travesseiro. Recebeu a notícia de que seu sonho, agora aguardava só os seus últimos documentos para poder se concretizar. Desnorteado por despertar. Feliz por você. Querendo ser feliz com você. Eu digeri.

Mastiguei sabendo que uma hora eu teria que engolir. Empurrar pra dentro. Saudade e ego. Um bolo intragável. Prendeu na garganta, não descia de jeito nenhum. Eu queria sentir o teu gosto pra sempre. Você sempre quis me guardar pra depois. Eu nunca fui maior do que o tempero europeu que fazia teus olhos brilharem. Mesmo assim eu repetia toda noite pro espelho, que precisava almoçar com o seu sorriso.

Então eu aprendi a fazer o teu prato favorito. Estudei e queimei meus dedos até ouvir da sua boca que eu tinha feito o melhor que você um dia provou. Você focando na sua vida. Eu focando em você. E a gente foi satisfazendo a fome um do outro. Eu colhi todos os frutos que um dia tiraram da sua mão, pra que não faltasse nenhum cheiro que você quisesse colocar no seu sonho. Você sorria, olhava dentro da minha alma e pedia pra que eu fosse devagar. Pra não comer com pressa e aproveitar. Como não ter pressa ou agonia, se amanhã eu vou beber o teu vinho em uma taça só?

Então você partiu, lavou toda a sua louça. Jurou que um dia voltava pra minha cozinha e que me manteria informado. Manteve. Honrou com cada maldita palavra que um dia você disse no meu lençol. Foi por isso que eu preferi preservar você. Pra que a minha imaginação não deixasse azedar o teu sabor. A gente foi cozinhando menos um ao outro. Por respeito. Pra não queimar.

Agora eu tô aqui, sorrindo pro prato que ela pediu. Lembrando do comentário que você faria se tivesse algum tempero diferente e alterasse o sabor. Deve ser culpa do teu lábio, que contornou minha boca no dia que você embarcou.

O sabor da vida mudou. Naquela noite que você me deixou.

Cozinhando.

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autor_jorge

todo mundo errado

Eu sempre adorei te deixar na porta de casa. O fato de dirigir até o teu portão, sempre foi uma forma subentendida do destino esfregar na minha cara o quão sortudo eu era. Estacionar debaixo daquela arvóre. Você arrancava o cinto de segurança. Eu desligava o carro. A gente se encarava um pouco e já começava a sorrir. Você repetia que eu te entreguei um dia bom. Eu encabulado agradecia. Nunca soube lidar com elogios, mas se te fazer sorrir era o caminho certo, eu acreditava fielmente que estava bem perto de um infinito de sorrisos teus. Você só me confirmava isso.

A gente encostava na porta do carro e ficava conversando um de frente pro outro. Você arrancava os sapatos e repousava os teus pés no meu colo. Nem que eu quisesse disfarçar, não dava. Eu tava feliz. Felizpacaralho. Feliz por poder ser o teu descanso no fim daquele dia difícil. Feliz por poder falar os assuntos que meus amigos não tinham tanta paciência e te olhar interessada em tudo o que eu dizia. Você me serviu uma alegria boba, coisa de moleque. Frio na barriga. Vontade de pentear o cabelo e passar um perfume do pai antes da aula no ensino fundamental. Ensaiar uma frase no espelho só pra te pedir uma caneta emprestada na sala.

Felicidade daquelas incontroláveis. Dessas que a gente até engasga com a nossa própria risada. Dessas felicidades que a gente até procura um defeito. Mas procura tanto, que uma hora encontra. Fica gelado e parece que o mundo arrancou todas as paredes ao nosso redor. Tentando acreditar que o mundo foi sacana mais uma vez. Resolve focar no problema e esquece de como era fácil ser feliz. Foi essa minha falta de fé no mundo, que sempre espantou as borboletas que tentaram pousar na ponta do meu nariz.

Tem dias em que eu rolo na cama, pra cá e pra lá. Tentando bolar algum plano mirabolante pra te reconquistar. Mas olha como a vida é engraçada. A menina que na madrugada passada me enviou um coração antes mesmo da minha foto carregar. Amanheceu pedindo calma e paciência. Pedindo pra ir mais devagar. Meu Deus, se eu não consigo entender os mais simples dos teus sinais, como eu vou conseguir um dia te amar.

É por isso que eu lhe imploro um pouco de paciência. Pra que eu possa ir anotando todos os teus passos em que eu costumo tropeçar. Sendo simples e modesto. Tentando aproveitar cada segundo que a vida me proporciona do seu lado, pra poder gravar cada detalhe na minha memória e transcrever essa saudade que você vai deixar comigo quando precisar. Minhas emoções ainda continuam divididas aqui dentro. Metade do meu coração bate aqui dentro te desejando pra sempre. A outra metade, um pouco mais sensata, sabe que enquanto você estiver aqui dentro, ele estará suficientemente alimentado para nunca parar de bater. Tem dias em que a gente acorda querendo encher a vida de perguntas. E dias onde a nossa única pergunta sem resposta é onde está o nosso motivo pra viver.

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previsão de amores

Esse vento gelado que sopra vindo do mar, é apenas uma brisa passageira, quando comparo com a massa de ar que se desloca da minha porta batendo quando você irritada desaparece pelo corredor da minha casa. Sinto as janelas trepidando como se o vento quisesse me explicar aos berros alguma coisa que eu não consigo entender. É possível aprisionar o vento. É possível até gerar energia. Impossível é prender você.

Já te vi arder como um dia quente de verão. Iluminando agradavelmente cada pequeno espaço do jardim com todo o teu brilho. Tímido ou educado, o sol com toda a sua elegância se acomoda atrás de você. Contorna teu corpo com os raios que aquecem toda a cidade, fazendo o mais prepotente dos homens, transpirar fora do controle, ao trocar meia dúzia de palavras com você. As bocas secando. Homens caçando sucos de palavras por um deserto sem fim. Existe alguma regra onde passe o resto da minha vida longe do sol em troca de toda a sua atenção pra mim?

A chuva, de todos os fenômenos naturais, é o que mais te respeita. Quando é cordial e paciente apenas faz companhia para o teu descanso. Vira trilha sonora durante tua madrugada. Fazendo com que os trovões intercalem intensidade com teus gemidos roucos que escapam pelo quarto. Em dias de temporal, cai lavando toda a cidade. Limpando das impurezas. Bagunça teu cabelo e borra tua maquiagem, pra fazer com que você entre na minha casa dizendo que fugiu da chuva. Me obrigando a te oferecer uma toalha querendo na verdade lhe cobrir num abraço.

Porém o mundo também sofre desse amor por você. Igualzinho o que eu sofro. Essa vontade de tentar acompanhar teus passos só pra poder suspirar o teu perfume. São as chuvas no meio do verão. O sol radiante em dias de frio. Uma surra de sentimentos climatizados que pintam o céu com os tons de um arco íris. E já faz um bom tempo que todo arco íris termina na tua janela só pra todo mundo saber que o tal pote de ouro tem nome: o seu

Talvez eu precisasse de um quadro um pouco maior do que a previsão do tempo, para poder tentar explicar pro mundo todo esse processo natural que é apaixonar-se por você. Como é possível perder o fôlego dentro de um mar completamente mexido simplesmente por estar de mãos dadas com você. A maré são os lençois da minha cama que não cansam de respingar em você. Pra que que esse ciclone batizado com o teu nome venha desarrumar toda a mobilia da minha casa me deixando sem forças para impedir ou recolher. Toda força da natureza que fique acima das nossas aceitações são chamados de fenômenos.

Energia, quando retirada dessas forças, são resquícios de esperança para o resto do mundo. É a risada sincera de alguém que tem a resposta de todas as perguntas na ponta da língua. Na mágica das luzes, a força da água, do vento ou do sol produz a iluminação que faz o mundo inteiro piscar. Mesma força que percorre meu corpo quando seu sorriso resolve encontrar meu olhar.

Nunca tive previsão do tempo.Independente da estação do ano. Faça sol ou chuva. Frio ou calor. Nessas inconstantes tempestades de você, tô gerando uma energia chamada amor.

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autor_jorge

sem sinal

Desligou tudo. Fechou a bolsa e levantou rapidamente da sua mesa. Tão rápido que teve que ajeitar um pouco a saia. Se despediu das amigas e se desculpou por não conseguir ir mais tarde. No caminho ouviu sua banda favorita da época de colégio. Sozinha no transito ao som do passado. A chuva a fez fechar os vidros do carro. O que foi quase o abrir das cortinas. Entre as janelas daquele carro, sem culpa de qualquer julgamento ela cantava. O telefone tocou. Parou a música no refrão e então o atendeu. Ele atrasaria um pouco pelo trânsito. Ela comemorou pelos preciosos minutos de atenção que ele entregou para que ela pudesse escolher as roupas. Respondeu num tom de tranquilidade e brincou com a falta de pontualidade dele. Ele disse que isso nunca acontecia. Ela sorriu e concordou. Ele vinha mais tarde.

Ele se acomodou no banco do carro. As obras na cidade fecharam todas suas alternativas ate a casa dela. Aproveitou o anda-para dos carros pra colocar as conversas pela metade em dia. O beijo de sábado e o cinema de domingo. O conselho amigo da quinta passada. A amiga que desesperada não sabia como chamar a atenção do veterano da faculdade. E resolveu voltar nas fotos da época em que ele tinha uma história com quem iria encontrar mais tarde. A viagem que ninguém lembra. O churrasco da faculdade. O último abraço e o último copo dividido pelos dois. Dividido por uma dúvida que o gelava por dentro como quando a primeira noite que parou na frente da casa dela. Seguro por todas as vezes em que ela lhe foi uma boa companhia. Contou uma piada deles pro retrovisor e riu sozinho. Ultrapassou três carros e encostou pra encontrar um vinho que queria que ela experimentasse. Saudade diferente dela. Quando ela se foi nunca doeu nele. Ela era diferente e no fundo ele sempre soube que ela ia voltar.

Ela já corre pela casa vestida pra ele. Num meio termo de que podem sair para comer algo simples e rápido para fugir do frio. Mesclado com algo que possa passar o resto da noite ali mesmo. Apenas no sofá, um filme, a risada dele e uma pizza. O vinho que ele levava era um convite pra ficar. Mas poderia ser o início de uma conversa na madrugada. Poderia ser a primeira peça da roupa dela que ele fosse tirar. Não sabia se descia com a garrafa ou a chamava pra descer. Procrastinou sua dúvida até a porta dela. Ela terminava o primeiro olho quando o celular tocou. Perguntava se ela estava pronta. Ela respondeu quase. O interfone tocou e ele subiu. Ela deixou a porta aberta e pediu pra ele aguardar. Com a garrafa no braço ele a esperava na varanda. Ela leve e linda. Ele sério e um pouco confuso. Abraço meio sem jeito. Ela como sempre foi. Ele parecia mais velho. Perguntaram se estavam bem ao mesmo tempo. Sorriram. Pareciam mais jovens. Talvez um deixasse o outro mais novo. Como era bom encontrar o sorriso dela. Como eram seguros os olhos dele. Como era mágico como nunca foram previsíveis um com o outro.

Sentados no sofá, tropeçando nas palavras pois não sabiam onde tinha parado seu último assunto. Não pararam de se falar. Apenas deixaram. Acomodaram e seguiram em seus respectivos caminhos. Ela tinha mudado de emprego e colecionava mais uma promoção no novo trabalho. Ele tinha deixado aqueles olhos esverdeados que um dia chamou de amor. O trabalho que já não o fazia feliz mas tinha lhe ensinado tudo tinha sido deixado também. Agora por conta própria cuidava dos seus clientes e dos seus horários. Ele soltou como sempre quis. Ela solta como sempre foi. A pizza acabou. O casaco já repousava na cadeira e o vinho resolveu fazer efeito. Química e vinho são a matéria prima para que o tempo acelere. Logo ia acabar. A televisão foi aos poucos perdendo a atenção. O celular ficando sem sinal. O melhor lugar do mundo naquele horário era ali. Melhor ter foco (…)

(…)

acordou com outro despertador. Vinte minutos antes do seu diário. Era o barulho do chuveiro banhando o corpo dela. O toque foi do sol que escapou pela cortina pela fresta que o vendo fez. Dois emails não lidos era o que o celular acusava. Algumas mensagens não respondidas também. Confirmou a reunião pouco depois do almoço e o jantar com a morena do final de semana passado. Vestiu o casaco e algumas lembranças. Cruzou com ela no corredor. Toalha na cabeça e o corpo vestido da seriedade do dia que começava. Trocaram um bom dia. Queriam trocar os perfumes. Ele preparou um suco para dois copos e um pão com queijo que acabou comendo só. Desceram para os respectivos carros e reviveram o abraço sem jeito da noite anterior. Um pouco mais encaixado do que outro. Entrelaçou os dedos nos cabelos dela e agradeceu pela noite. Ela acariciava levemente a tatuagem dele na costela e respondia apenas com um suspiro de que ele sempre trazia uma paz. Ligaram seus carros e buzinaram cordialmente um pro outro.

Era mais um dia bom.

(…) onde guardaram um segredo que ninguém saberia pra nunca deixar de ser um. Ninguém estraga o que ninguém sabe. Por isso o mundo ainda é mais interessante offline.

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autor_jorge