às vezes acontece.

Quando eu falei pra você descer no meio do seu horário de trabalho, sem que você soubesse, não foi para te tirar o foco, te devolver o casaco que você esqueceu ou então te entregar o jornal do dia. Falei por talvez eu não aguentar mais não olhar dentro dos seus olhos. Falei pra poder simplesmente ouvir no meio de todas as vozes que sussurram no meio dia, a sua voz. É que talvez amanhã eu não queira dizer mais nada, ou então, quando o telefone tocar eu vou atender com uma voz de que nada aconteceu, mas meu bem. Aconteceu sim. E a gente só não sabe o que foi.

Não que eu não acredite no que você diz, mas consigo perguntar e ouvir as respostas de um “oi, tudo bem, como vai você, como foi ontem, vamos nos ver mais tarde e tudo bem a gente se fala” pela intensidade do abraço quando a gente se reencontra. Só que quando a gente se reencontra e nem esse abraço tem, não precisa nem se amontoar em perguntas pra se estabelecer as respostas.

Eu achei que já tinha passado por quase tudo nessa vida, mas de todas as coisas que você me mostrou de um tempo pra cá, é encantador como você aprendeu rápido e absorveu bem as coisas. Minha mente e toda essa minha loucura que fez você querer vir. E essa mesma loucura que te faz partir agora. Tão certa de não olhar pra trás, ou de nem olhar no olho. Foi exatamente nessa hora que eu consegui perceber, que quem nunca apanhou dessa vida não sabe se defender. E a pancada é mais forte, já que a gente apanha só. Já foi muito magoada, agora magoa sem dó.

Desde que o mundo é mundo a gente só cria anticorpos de duas maneiras quando se vacina contra algum mal ou quando a se contamina dele. Mas tudo passa, sempre passa. A gente cura, o corte é fundo, mas com o tempo regenera.  Certas coisas na vida não mudam nem quando crescemos. Às vezes a gente não se apega num brinquedo por ele ser o mais bonito ou mais legal. Mas ele é o que está mais perto, dá pra deixar do jeito que a gente quer. Depois deixa de canto, ele não vai deixar de ser o favorito só vai deixar de ser o principal.

Eu vou seguindo o roteiro que eu tinha traçado por aqui, sem nenhuma alteração além da companhia. Talvez essa seja as vantagens de não adicionar planos com alguém. Quando você adiciona alguém aos seus planos, elas só embelezam e completam. Mas se decidem não acompanhar eles não atrapalham. Então eu olho aqui de longe, você caminhar pelo mundo. Que diante dessa sua vontade, ele fica cada vez menor. E risco no final da minha lista de lugares maravilhosos que quero conhecer antes de morrer. Eu adiciono você. O mundo pode não girar ao seu redor, mas o meu mundo foi bem mais legal enquanto você esteve aqui.

Um dia a gente se encontra num check-in. Vai ser um prazer viajar ao seu lado.

Boa viagem pra nós.

autor_jorge

sobre o que falarei aos meus netos

Não sei se te avisaram, mas eu também queria ser um jogador de futebol. Que eu até tinha um pouco de jeito, mas que meu joelho ainda doí no frio e eu nunca fui atrás disso. Preferi largar tudo, estudar bastante. Quando coloquei o primeiro copo de cerveja na boca, eu achei horrível. Juro. Mas eu não sei até agora porque eu mantive uma postura de que aquela não era minha primeira vez. Então o bebi todo. E os outros dois que vieram a seguir. Acho que não te falaram também que eu sempre ligo a TV baixinho antes de dormir porque eu tenho um certo nervosismo do silencio absoluto. Principalmente, se eu assisti algum filme de terror/suspense naquele dia. Nessas vezes eu deixo a dublagem do filme da madrugada uns dois ponteiros mais alta que o meu medo.

E já que você não sabe de muita coisa, anota sobre a minha camisa do São Paulo, toda desbotada, já sem número. Mas que eu me apego e uso muito mais do que as camisas atuais. É mística, é gosto. Ela é mais que uma camisa, juro que quando visto é como se eu tivesse uma armadura. E como se eu ainda tivesse meus 16 anos ainda quando a vesti pela primeira vez. Mas antes que você pense que eu quero apagar essas coisas que te contaram, eu também quer que saiba que gosto muito de uma mesa de bar. E confesso que quanto mais chata a conversa eu mais eu bebo. Sou muito bom de copo, mas se você tiver assunto o suficiente para tratar comigo passaremos um bom tempo papeando (e bebendo muito também). Eu tenho lugares que eu chamo de “meu”. São secretos, onde a paisagem é linda, o vento bate gelado. Só que encontro uma paz tão grande lá, que me sinto dentro de um abraço.

Eu tenho uma mania feia de abraçar todo mundo. E não é feia porque você pode achar que eu sou atirado. É feia porque nem todo mundo gosta de abraço. Abraçar é muito bom. E acho que você deveria abraçar mais, já que tocamos nesse assunto. Eu adoro tatuagens, muito. Mesmo ainda não tendo nenhuma, simplesmente por me faltar coragem. Eu fico por diversas vezes admirando as suas. Em quase os momentos que você está distraída, um dos carinhos que mais gosto de fazer em ti, são contar seus traços. Queria dizer também que já peguei algumas pessoas pela mão nesse mundo sim, sem dúvida. Muito menos do que suas amigas acham. E se você quer saber nenhuma encaixou tão perfeitamente a minha como a sua. E sobre a minha audição que é péssima, eu gostaria de confessar que eu adoro ouvir a palavra “casal” se quando eu olho para o lado e encontro você

Também queria que você soubesse de uma coisa, eu vou desejar poder acordar ao seu lado por todos os dias que forem possíveis. Que eu planejo conhecer o maior número de praias nessa vida, pretendo olhar para as pegadas que eu deixar nas areias e ver as suas exatamente ao meu lado. Eu choro pouco. Talvez por isso eu sofra muito mais. Eu falo mais do que do que deveria. Mas eu gosto de ouvir mais do que talvez as pessoas tenham pra falar. Eu tenho barba, emprego e diploma mas não trocaria algumas noites dessa vida por pizza e videogame. Que você provavelmente vai me ver falar de Cavaleiros do Zodíaco na mesma intensidade que eu falo de alguma Olimpíada.

E que das poucas fotografias que eu quero mostrar para os meus netos, eu já tenho umas três nossas que já estão entre as favoritas. E eu também adoraria chamar os meus netos de “nossos”

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autor_jorge

sobre aquele seu filme sem gênero

Quando eu comprei meu ingresso para a sua sessão, mesmo contra todas as críticas, sabia que estava sendo ousado. Talvez não o quanto você esperasse, mas bem mais do que a maioria acreditasse. O filme começava diferente antes mesmo das luzes se apagarem. Logo na entrada, a pipoca, que já era maior do que todas as outras que já havia pedido. Vinha acompanhada de uma caixa de madeira, onde dentro se encontravam: uma mina garrafa de vinho, uma bombinha de ar, um pequeno lenço, eu um gorro e um par de luvas. Agradeci a gentileza da atendente, apanhei meu exótico “kit de primeiro socorros” e me encaminhei rumo a aquela sala de uma poltrona só.

O filme se inicia arrebatador, sem deixar tempo para se acomodar, os diálogos vão me envolvendo cada vez mais, uma atmosfera nova vai se criando. Em meio a um cenário totalmente acinzentado, sou apresentado a uma apaixonante garota, que ilumina tudo por onde passa com suas cores e olhares que misturam inocência e sedução, sem dizer uma palavra sequer já responde todas as perguntas de quem seria a atriz principal daquele longa metragem. As fotografias seduzem, se confundem por uma juventude madura daquele sorriso largo. O cabelo que dançava descompassado quando encontra o vento ia me tirando pouco a pouco o ar. Sem que tomasse noção do que estava acontecendo, usei a bombinha de ar quase que por impulso, quase como necessidade. Suspirei aliviado e tentei me acomodar um pouco na cadeira. Havia passado um furacão diante dos meus olhos, que bom que pelo menos dentro da tela.

Cena a cena, fui me apegando (e me encantando) cada vez mais, já estava suficientemente preso naquela trama. Arrisco dizer que talvez estivesse até mais envolvido do que o mocinho clichê e padrão da Disney, que só merecia aquela mulher naquele roteiro. Em pouco mais de uma hora de filme, já tinha excelente planos para nós dois, tinha saudade sem nem ao menos conhecê-la. Estranho, mas já fantasiava todas as nossas próximas vidas juntos. Abri a garrafa de vinho, saboreando-a lentamente enquanto a admirava gigante diante de meus olhos. Nem nos vimos pessoalmente ainda e já morria de sede dela.

Cada cena sem ela me fazia querer acelerar, roteiros ou palavras já não eram mais necessários, a trilha sonora poderia estar totalmente descompassada que passaria despercebida. Já estava completamente hipnotizado por ela. E a cada passagem que a câmera dava percorrendo pelo corpo nu deitado na cama, um arrepio percorria pela minha espinha. E toda aquela harmonia já tinha me envolvido por inteiro. Eu precisava saber onde aqueles olhos abriam pela manhã. Precisava saber qual ônibus passava na minha rua que me deixasse mais próximo da cena seguinte em que ela aparecia. Eu precisava disso, mesmo que ela não me reconhecesse.

Foi quando tudo mudou, foi quando o enquadramento praticamente se estagnou em contra plongée, a visão que antes era apaixonante foi me dando medo. Todos os tons de azul se misturavam na cena, esfriando-a cada vez mais. A sala foi esfriando e eu fui me encolhendo cada vez mais numa poltrona que já tinha compartilhado tantos bons momentos naquele filme. Vesti rapidamente o gorro e as luvas numa tentativa de reaquecer o meu corpo ainda extasiado de um romance de um coração só. O olhar caloroso e apaixonante dela tinha dado lugar para um vazio. Fui acompanhando ela abandonar o pobre príncipe, entristecendo gradativamente o vilão da trama, parecia que ela não queria vence-lo, queria substitui-lo. E sem que eu entendesse os motivos das gargalhadas ela foi sumindo na tela, me deixando dúvidas, aflições e medos.

Fui dormir assustado, tentando entender se realmente era possível um sorriso tão doce, atingir um agudo tão assustador numa gargalhada. Se as pessoas que são tão envolventes podem realmente se sentirem no direito de manipular umas as outras. Enquanto os créditos passavam e ao fundo ela ainda gargalhava em meio a uma trilha triste, eu chorava sozinho na sala. Não sabia se o meu medo era de nunca mais ver aquele olhar que me esquentava em poucos segundos, ou se era desse frio assustador que congelou tudo aqui dentro, quando ouvi a gargalhada daquela piada que somente que ri dela consegue entender. Não a entendi e mesmo assim me apaixonei. Não sei se pago pra ver esse filme outra vez, ou se deixo o tempo me fazer esquecer essa imagem assustadora com a qual eu vou dormir.

autor_jorge

acredite no final feliz

Olha, minha pequena, enxuga essa lágrima.

Mesmo que seja pelo mesmo motivo de sempre, dessa vez tira ela do seu rosto pela última vez. Cada vez ela sai mais fácil, toda hora ela escorre sem você pedir, sem controlar. Teus olhos são lindos de tantas maneiras, menos quando eles estão cheios d’água. A gente nunca sabe de quem vai gostar, mas as vezes temos a resposta no meio de todas as nossas perguntas.

O problema é que a gente custa pra acreditar. A gente não quer parar de chorar, por não quer parar de enxergar aquele sorriso safado. Deixar de segurar aquela mão que acaricia. Vou te contar um segredo que você nasce sabendo. A gente gosta mesmo é de quem deixa a gente cego e toma o nosso fôlego. Mas de preferência em um beijo intenso que só para quando sol nasce, não em olhos cheios de lágrimas e soluços que não acabam.

Quando sair de casa para encontra alguém, tente optar por perguntas que você não ensaie antes de fazer. Não sei se você já reparou que as mesmas brigas sempre começam pelos mesmo motivos, que são sempre carregados das mesmas perguntas. Se não chegou a hora de mudar de pergunta, meu bem. Chegou a hora de mudar de perguntado.

Repete o perfume que você quase não sente o aroma, só por ser o mesmo daquele fim de tarde que vocês estavam no cinema. A cabeça dele repousou no seu ombro como se pedisse conforto, ele só queria sussurrar que ele queria passar a noite sentindo aquele cheiro, mesmo que fosse pra passar a noite sozinho. Desce de chinelo e descabelada numa noite de domingo pra ficar com a cara mais corada, não pra ouvir baboseiras que te irritem. Prefira aquele elogio que vem tão espontâneo que você quase acredita que é verdade. Se avermelhe de timidez, não de raiva.

Quando o telefone tocar, afinal ele sempre toca. Você sempre atende e o babaca sempre volta. Deixe tocar. Aproveite o telefone dele e coloque uma boa música como toque, daquelas que você não cansa de ouvir e não ligue que comece do nada. Abrace mais, sorria mais. Ocupe mais do seu tempo com quem quer você. Você tem muito tempo vago para sofrer, já tentou ser feliz?

Dance sem saber, e se ele não gostar, dance mais ainda, por favor. Não queira um copo igual o dele, beba no copo dele, beba com ele, beba-o.

Se disponha a engolir novas borboletas para deixar elas voarem sem sentido algum no se estômago.  Ache estranho se ele muda constantemente de amigos, não tem falha algumas na barba, não toma cerveja e não gosta de futebol. Ache anormal se ele não enrola o dedo no seu cabelo enquanto você dorme no peito dele, se ele não contorna sua tatuagem levemente com a ponta dos dedos.

Recue se ele tem medo de pegar na sua mão.  Recue sem pestanejar, por um simples motivo. Te deram a mão pra te ensinar a caminhar, fizeram direitinho pra ser pra sempre. Dar a mão sem pestanejar é pra quem quer ensinar a amar. Não deixa de ser um caminho, e se bem feito, não deixa de ser pra sempre.

Pare de beijar a porra do mesmo sapo que não vai virar nada e que só deixa um gosto amargo na sua boca. Para também de colocar tanto gelo no seu copo. Acredite mais em você. Acredite no final feliz.

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autor_jorge

por mais dias assim

Se eu pudesse fazer um pequeno pedido. Gostaria de pedir mais dias como o de ontem. Juro. Dias em que o sol nem aparece direito, meio que de ressaca, meio que por preguiça. Mas que mesmo assim com tanta luz vinda das pessoas, que chega a cegar os olhos sensíveis, aquecer os corpos sozinhos e iluminar os caminhos que pareciam meio confusos. Dias que começam quando seus olhos abrem pela manhã e se encontram com o motivo do seu sorriso da noite passada. Dias que as todas as conversas se encaixam perfeitamente em tempo e versos. Parece que tudo é tão harmônico que parece ensaiado. Dia em que parece que seus problemas desaparecem. Sem atritos, sem ruídos. Dias que tem a mesma duração que os outros, mas que de tão leve passa tão rápido.

É um pedido singelo, por dias onde as pessoas se encostem mais umas as outras. Que o almoço seja feito a quatro mãos, que o molho de tomate seja passado no nariz dela, que ele quase queime o arroz, pois vai perder mais tempo do que deve beijando-a. Dias em que o silêncio não vai ter um segundo pra te deixar pensar no que não te faz bem. Por dias em que o peso do mundo não está todo nas suas costas, porque você não está sozinho pra carregar. Dias em que as garrafas de cerveja não param de chegar em nossa mesa. Dias em que as gargantas clamam por um gole de tão secas. Dias em que o barulho das risadas seja maior que os gritos de dor.

Dias em que a noite vem devagarzinho pra durar mais. Dias pra dizer que é romântico, sem perder o desapego. Dias pra se entrelaçar as mãos. Dias em que a lua aparece bonita, cheia e luminosa pra todo mundo poder apresentar ela pra quem merece. Ninguém é dono de ninguém, mas todo mundo se acha dono da lua. Então apontam, cantam, doam, dedicam. Mas se tem lua pra todo mundo, tem que ter amor pra todo mundo também. Dias em que tem carinho, que tem abraço longo, que tem paisagem bonita ao som do vento. Dias que a gente esquenta o corpo com outro corpo. Dias que o telefone toca e a nossa voz some antes de dizer alô.

Por dias em que a gente teima em dizer que foram mais curtos. Por dias onde tiramos fotos que temos vontade de enquadrar depois. Por copos que não esvaziam e por sambas de roda que tocam até o dia clarear outra vez. Dias em que a churrasqueira não apaga nunca, que os vizinhos não reclamam e a piscina gelada transborda de tanta gente feliz que tem dentro. Que o carvão não apaga, que o gelo não seca, que o calor não amansa, que a vela está sempre acesa, que a música nunca abaixa e o violão parece que já toca aquelas velhas músicas sozinho. Por dias em imploramos que não se acabem.

Por mais amores, por mais amigos. Por mais amores amigos. Por mais dias assim.

autor_jorge

acho que te achei

Eu acho que foi quando eu acordei naquela manhã fria e meu primeiro pensamento já era você. Mesmo passando quase toda a madrugada anterior ouvindo a sua voz, me sentia como se precisasse do tom dela para acompanhar a minha manhã. Acho que foi quando eu comecei a criar um hábito bobo de sorrir sempre que escuto o seu nome. Talvez tenha sido quando você disse que nós não saberíamos o risco que estávamos correndo, por talvez nos conhecermos demais. Sei lá, vai saber, tenha sido quando eu vi meus olhos simplesmente pularem de alegria quando você sorriu de alguma coisa sem sentido que eu tenha dito. Eu não tenho certeza. Mas isso é o que eu acho.

Em alguns momentos, acho que foi quando eu perguntei se você gostava de cinema e você apenas concordou com a cabeça. Depois, acho que foi quando eu perguntei se você gostava de pipoca, você respondeu que preferia cerveja. Fizemos um pequeno esquenta para o cinema, compramos algumas garrafas e fomos para a sala. Quase certeza de que foi ali, eu acho. Talvez tenha sido aquele filme péssimo que você escolheu para vermos. Mesmo o final não condizendo com a sinopse, minha vontade era simplesmente de dizer para todos nesse mundo, que foram de exatos cento e vinte três minutos ininterruptos da sua mão entrelaçada com a minha. E por Deus, como isso era bom.

Algumas vezes me paro pensando que sem dúvida deve ter sido quando sentamos e desembestamos em falar sobre livros. Ou quando eu te emprestei um dos meus favoritos e você o devorou em um dia. Me pego pensativo achando que foi na noite que sua cachorra, resolveu ver se meu óculos preferido era resistente a mordidas. Ela comeu e o quebrou. Isso é lógica. Eu me irritei, bufei, te abracei e sorri por dentro. Acho que isso não é. Talvez tenha sido numa noite que parecia perdida, que meu telefone tocou com você dizendo que queria me ver, mesmo que fosse por cinco minutos.  Acho que pode ter sido naquela noite abafada e sem estrelas em que tomamos sorvete e falamos sobre todos os lugares que sonhávamos em visitar um dia. Eu só acho.

Acho que também que pode ter sido quando teu santo bateu com o meu. Quando eu sugeri algo totalmente sem cabimento e você apenas me puxou pelo braço e falou: vamos. Talvez tenha sido naquele dia em que eu tenha tomado todas as doses de coragem do mundo enquanto deitado no seu colo desabafando todas as tragédias da minha vida, você conseguia me fazer enxergar o lado bom disso tudo. Talvez tenha sido aquela pizza de sabor diferente, ou então, tenha sido aquele copo de drink borrado com o seu batom. Quem sabe, é aquele seu vinho que escorreu pela parede do meu quarto. Talvez seja aquele meu último cigarro que você me fez apagar enquanto me beijava. Acho que a culpa seja do seu cobertor que se molda tão perfeitamente ao meu corpo. Acho que é o seu maldito abraço que me faz querer que o tempo parasse imediatamente a minha volta.

Meu coração que é costumeiramente acelerado se acalenta quando você chega, acho que isso é bom. Ainda não perdi a voz quando te vejo. Não acho que isso seja ruim. Acho que foi quando a distância me fez contar gradativamente cada dia enquanto você não voltava. Acho que tive você tão emocionalmente longe e distantemente perto, que não consigo mais lidar com a sua distância física se te tenho emocionalmente tão próxima. E olha que eu acho que você sempre esteve aqui pertinho. Que tolice a minha, desculpe a desatenção, acho que te achei. E estou assustadoramente feliz com tudo isso. E eu não ligo se você não está. Eu vou te fazer feliz também. Só que isso eu não acho. Eu tenho toda certeza do mundo. Assim como eu tenho a certeza que te achei.

autor_jorge

minha última prece.

Eu pensei seriamente em fazer milhões de promessas. Fiz calado, sem que ninguém soubesse ou opinasse, minhas simpatias para tentar fazer com que tudo que estava acontecendo fizesse algum sentido. Juro que tentei aprender a me despedir em pelo menos uns três idiomas novos. Ajustei as minhas músicas românticas que eu já havia batizada como nossa, para músicas de adeus. Fiz tudo como manda o maldito roteiro da vida quando falámos de despedidas e términos. Mas diferente de como vinha escrito na bula, ao final do tratamento, mesmo depois de náuseas e alguns desconfortos, você ainda estava lá. E eu ali sem saber o que era real e o que não era, fiquei mais perdido do que eu já sou.

Enganei-me no momento em que resolvi que todo aquele universo paralelo em que você me transportava seria só nosso pra todo o sempre. Se eu já tinha o sentimento de posse de algo que não era meu. Tente imaginar o quão agoniante é sentir a falta do que eu nunca tive. Sempre te incluí em assuntos que você nem ao menos era citada. Encontrava nas coisas mais tolas um motivo de liga-las a você. Mas a tolice não estava nas coisas. Estava em mim. No seu caminho, umas vezes ou outra, você acabava junto com o meu. Eu, cego, fazia com que todo o meu roteiro cruzasse o seu em um ziguezague sem rumo, assim como era todo o meu caminhar.

Eu queria te ter por todos os dias, você só me desejava naqueles mesmos horários. Eu continuei me enganando de que aquilo era uma forma de você criar coragem de encarar, quando na verdade eu só era a forma mais agradável de você se esconder. Aprendi com você, que quem repousa a cabeça no coração no momento do abraço, é quem normalmente precisa de mais carinho. E seu peito se encaixava melhor ao meu rosto do que todos os meus travesseiros. E gradativamente você foi me moldando e eu fui me viciando nos seus enxertos. Sua mão simplesmente encaixa perfeitamente na minha. Assim como o seu abraço. Talvez você encaixe exatamente em todos os meus vazios. Eu que ainda insisto nesses buracos.

Agora, eu desisto de todas as premonições e tragédias anunciadas que viveríamos. Ajoelho e entrelaço as minhas mãos, como em todas as orações, eu me abraço. Eu me preencho. Ocupo todos os meus vazios sem você. Apenas com o meu amor próprio. Viciei-me em você, aconteceu e sei que a culpa não é integralmente sua. Afinal, de todas as vocações ou talentos que eu gostaria de aflorar nessa idade, comecei a desenvolver o mais vexatório de todos: O de ser a sua sombra. Então peço que você siga o mesmo caminho que eu, só que em direções opostas. Para que cada passo que eu der para a direita, você possa dar dois para esquerda. Nunca recuando e nunca olhando pra trás. Que você ilumine todos que te cercarem. E que eu esteja sempre longe o suficiente para nunca mais ser sua sombra. Amém.

autor_jorge

parem de abafar os apaixonados

Amanhece mais um dia cinzento na cidade. Mais um dia em que as pessoas ainda preferem serem meias pessoas durante as madrugadas. De tanto fugirem dos medos e frustrações da vida todas as cores do mundo foram se desbotando pouco a pouco. Banalizaram o amor, resolveram evitar tudo que o rodeia também.  Desaprenderam uma das melhores coisas que se pode fazer antes de amar eternamente: Apaixonar-se sem preocupações.

A sociedade deixou de se apaixonar. Transformou entregar flores em alguma coisa fora do normal, ou apenas em pedidos de desculpa. Chocolates deixaram de serem entregues sem sentido ou apenas em datas em que o coelhinho aparece por ai. As músicas pararam de ser de amores eternos e cada vez mais são de boas lembranças que não voltam. Caminhar lentamente e abraçado já não é mais motivo de orgulho.  Apagaram o fogo que ardia sem se ver. E então por medo, a sociedade vai caminhando a passos largos para deixar de viver.

Por favor, parem de se dispensar. Parem de passar madrugadas em solidões e silêncios que parecem não ter fim. Passem mais tempo juntos, saiam pra jantar e se conheçam entre umas taças de vinho. Dancem juntos como se não houvesse mais ninguém olhando. Beijem-se como se fosse a última vez. Durmam mais juntos, acordem de frente um com o outro. Se apaixonem pelos olhares matinais. Deixem os dedos percorrem as curvas dos corpos aninhados. Pare de se cobrir com distâncias, mensagens, medos, fugas. Se desarme. Se cubram apenas com lençóis e abraços.

Estão deixando de viver aquela parte da vida onde algumas coisas acontecem sem o nosso controle. Aquela parte da vida, onde os olhos brilham por simplesmente encontrarem alguém. Esqueceram aquela parte onde dar a mão e caminhar pela praia é bonito. Dizem-se tão avançados, tão maduros. Que não ligam, ou não atendem, nos outros dias para não se apegarem. Oras, deixe as pessoas ligarem no outro dia pra dizer um “bom dia” se a noite foi boa. Pare de engrossar a voz quando o telefone tocar e o nome dela aparecer. Orgulho, no dicionário, fica próximo de solidão. E não de amor.

Tanta gente machucada por esse mundo. Tantos bons abraços que deixam de ser dados por medo. Estamos ficando cada vez mais carentes de abraços. Aquele que protege e acalenta. Aquele que é tão bem dado, que junta todos os cacos, que a vida nos fez questão de estilhaçar, e que pensávamos que nunca mais iam se colar. Por favor, não calem os risos frouxos. Role na cama sem sentido enquanto a sua cabeça estiver pensando nele. Acaricie fotos que te fazem bem. E se for possível, avise a pessoa que você estiver apaixonado. Mas não tenha pressa, pois quando essa hora chegar, talvez já seja amor.

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autor_jorge

o que você ganha sumindo?

Juro que é a última vez que eu tento responder essa minha dúvida. Que quando sair por aquela porta, evitarei ao máximo pronunciar o seu nome. Só queria saber o que você ganha sumindo. Não é uma resposta para um adeus que eu já tomei sem entender. É uma angústia que eu tenho comigo e gostaria muito que você me respondesse. Jura pra mim, que aquela voz baixinha e rouca que me pedia abraços nos momentos mais inusitados, que além do abraço me arrancava um enorme sorriso. Jura que você passou todo esse tempo ao meu lado, apenas para um dia eu sentir a falta da sua presença, para que você um dia soubesse e então desaparecer?  É sério?

Não sei se você reparou, mas o seu prato principal ainda é a minha saudade. A saudade que teima em aparecer quando você não quer. Você sabe que eu ainda falo o teu nome embargado de carinho. Que eu ainda choro sozinho apoiado no volante em dias que a chuva cai forte e a música que um dia você disse que era nossa teima em tocar. Será que você não entendeu que eu não queria você pra mim e que eu só queria você aqui? Que não é uma alternativa você simplesmente sumir da minha vida, mas continuar dentro do ciclos de amizades que eu te coloquei? Que você não gostava de rock até eu te mostrar aquele pub em frente aquela praia? Será que você consegue entender que eu não te pedi pra entrar na minha vida? Mas já que entrou e coloriu ela nas suas cores você poderia pelo menos me dizer o motivo de desaparecer do nada?

Isso tudo é medo? Pois se for, eu sugiro que você comece a quebrar todos os espelhos da sua casa. Pois da mesma forma que você veio você se foi. E desculpa como fostes criada, não é assim que as coisas funcionam. Você não pode simplesmente aparecer com esses cabelos cacheados quase da cor do sol, me prender e me encantar. E acreditar em coisas que eu pregava aos quatro ventos que não existiam mais. Isso não é ensinamento. Isso é castigo. E até onde eu sei, eu não pedi que castigassem você, então, por favor, não me castigue.

Talvez eu não tenha digerido a sua ausência pois em momento algum eu pedi a sua presença. Em momento algum eu pedi que eu me telefone tocasse numa tarde de domingo me fazendo um convite simples para algo que eu consideraria tão bobo. Mas que com você pareceu ter sido perfeito. Pelo menos antes de sumir mais uma vez, me prescreve essa receita que faz o tempo parecer tão curto quando você está aqui. Que me faz querer criar raiz aonde você está. Se você vai desaparecer outra vez, desfaz esse feitiço que eu nunca pedi pra ser feito.

Deixa-me ouvir aquela música sem que meus olhos se encham de lágrimas. Deixe-me ouvir o seu nome na mesa do bar e meus olhos dedurarem uma tristeza gigantesca. Permita-me ser exatamente quem eu era antes de você me atropelar sem dó alguma. De todas as coisas que mais me machucaram nesse acidente. Você ter parado para me ajudar, me dado o número da sua placa e cuidado de mim, foram sem sombras de dúvidas as piores cicatrizes que eu poderia criar. E no meio de tantas perguntas, eu te pergunto pela última vez. Me diz, o que você ganha sumindo?

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ele não era o melhor pra ela.

Ela sempre foi mais “na dela”, falava pouco, sempre mais reservada. De todas as coisas que ela amava no mundo, os momentos em que vocês ficavam em silencio, aninhados no sofá da sala, assistindo qualquer besteira com a televisão baixinha eram os favoritos dela. Ele já era falastrão, não ficava em silêncio nem ao menos sozinho, falava por ele e por ela. Você tão na sua que se acomodava em curtir o frio. Ele sempre preferiu esquentá-la.

Ela era atleta de alto nível. Adorava corridas matinais, transpirar a preguiça pelos parques da cidade. Um exemplo de como viver bem. Você quase sempre a acompanhava, mas deixava tão claro que era por falta de opção. Não precisava disso. Algumas vezes dava o melhor parar deixá-la para trás e mostrar o quão vigoroso você era. Ele era o futuro de um jovem atleta sem rumo. Jogou a vida toda, hoje vive das histórias dos seus feitos em campo quando são contadas na mesa de bar. Nos parques, ele cansava com metade dos piques dela. Você esnobava quando ela dava o melhor. Ele dava o máximo para no final apenas aplaudir todo o vigor físico dela. Você sempre quis o lugar mais alto do pódio. Ele só queria ela ao lado dele quando ele subisse.

O seu abraço parecia não ter fim. Ela se prendia, se sentia a pessoa mais segura do mundo. Ele a confortava. Ela queria ficar no seu abraço pra sempre. Você apenas o tempo suficiente de um longo suspiro. Ele queria ser o  “pra sempre”do seu abraço. E quando você se cansava, sem nem pensar, você adormecia. Ela mesmo assim te admirava dormindo. Ele não conseguia pegar no sono, se ela não estivesse dentro do seu abraço.

Ela gostava de filmes de romance. Você dos de ação e de guerra. Ele simplesmente gostava de qualquer coisa que passasse se estivesse sentado de mãos dadas com ela. Ela lhe apresentou o teatro. Você sempre tentou negociar um cinema. Ele avisava dia e horário que os musicais favoritos dela estariam no Brasil. Você queria sempre saber mais do que ela sobre as coisas. Ela até achava isso legal. Ele preferia que ela soubesse das coisas assim como ele sabia também. Vocês se pareciam muito. Eles se completavam bem.

Quando a chuva caia, ela sempre ficava meio perdida. Você corria pra um lugar coberto com ela pelo braço. Ele corria pro meio da chuva com ela no colo para poder beijá-la. Ela sempre gostou de homens altos. E você era maior do que ele. Ela se derretia com homens de costas largas. E sua envergadura era quase duas da dele. Mas você se preocupava só em acelerar o carro nas curvas da estrada. Ele só queria manter a curva do sorriso dela. Quando você a atropelava contando do seu dia. Ele com olhos vidrados escutava cada detalhe do dia dela. Realmente ele não era o melhor pra ela. Você que o fez ser. Uma pena.

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