a culpa também é sua

Outra vez você vai voltar pra casa antes do sol aparecer. Mais uma noite em que você mesmo rodeada de todas as suas amigas preferiu ficar em silêncio. Pra poder sorrir amarelado e dizer que estava tudo bem, mesmo carregando consigo uma enorme placa pendurada no pescoço dizendo: “Tô mal. Muito mal”. Saiu de casa usando a roupa que ele mais gostava, pra “caso ele apareça”, automaticamente se sentir prestigiado e dizer que você esta linda. Junto com as suas companhias encostou-se ao balcão do bar, todas pediram vodka. Você pediu tequila. Tomou tentando esquecer. Esquecer o que já tinha vivido e o que ainda ia viver. Só que quando a memória não apaga na terceira tequila, a culpa se acomoda de um jeito que a gente tem que aprender a conviver.

Mesmo assim continuou tudo como mandava o manual: Celular ainda desligado, amigas do lado, copo cheio, sorriso no rosto e cabelo arrumado. Exatamente como manda o roteiro de quem quer esquecer. A mão transpirava e acariciava o aparelho desligado, trocaria todas as amigas para enrolar o braço no dele, ainda preferia uma taça de vinho ao invés do copo de vodka e o que mais lhe tirava o sorriso do rosto ainda era não se preocupar com cabelo. Era só aquela brisa que a gente tem quando descobre que temos que aprender a resolver as nossas coisas do nosso jeito. Usamos as experiências dos outros como uma orientação, mas do nosso jeito é que a gente vai colocando os tijolinhos do jeito que a gente quer enxergar no muro. Deixou as amigas meio de canto e foi ficando cada vez mais em silêncio. Até a hora que se sentou, botando a culpa nos pés que doíam devido ao salto. A dor ficava um pouco mais pra cima. Só que ninguém queria te falar, já que nessas horas, você não quer ouvir ninguém.

É nessa hora que a gente não quer ver ninguém. Hora que a gente até pede pra chorar pelo ouvido, pra não ter que escutar nada que acontece na nossa volta. Mas é nessa hora que você precisa entender que enquanto os seus olhos lacrimejarem, vai parecer que ele ainda te merece. E meu bem, a gente sabe que não é assim. Vejo ainda, que mesmo com essa cicatriz na perna que você teve do tombo de bicicleta, com essa tatuagem que você tem no pé direito e essa queimadura pequena que você tem na mão. Você já aprendeu que tudo tem a sua intensidade de dor. Já aprendeu mais de uma vez que chagas se fecham, que até as feridas que você se programou pra ter cicatrizam e quando isso acontece, a gente até esquece que um dia aquilo lá incomodou tanto.

Você tem espelho em casa, então eu não preciso ficar aqui te bajulando com motivações clichês. Se a sua vida era muito agitada pra ele, sem tempo pra pensar em vocês. Faça o que você sempre fez: Trabalhe e se agite. Curta sua dor abrindo um pote de sorvete, mas abra o seu computador e continue se planejando. O seu ritmo louco não fez você perder o homem da sua vida. Só fez você perder um bom homem, mas que não conseguia te acompanhar. Vejo casais que nunca pensaram num “pra sempre”, querendo sofrer uma dor que não é deles quando o fim bate na porta. Meu bem, comodismo não é amor. O amor te cega. O comodismo te dá preguiça de olhar. As pessoas resolvem mudar da água pro vinho, pra recuperar alguém que quando estava ali, elas nem se importavam.

A gente conquista tudo com as próprias pernas, absolutamente nada cai do céu. A gente carrega tudo nessa vida, mas não sabe carregar culpa mesmo quando ela é nossa. Joga sempre pro outro, cria teorias e faz parecer que tudo desde o começo maravilhoso, caminhava para esse triste final. O ser humano é um bicho tão chucro, que divide os bens, mas não divide culpa. Ela é sempre do outro. S-e-m-p-r-e. Dizer que ele não te merece, não o torna um ser maligno vindo das trevas sem coração. Nem quer dizer que num futuro próximo todas suas somas no Excel vão resultar em outro homem. Só quer dizer que foi bom enquanto durou. Durou enquanto tava sendo bom. Mas acabou.

Quando a gente não quer falar com ninguém, estamos diante de uma das melhores horas em que a gente deveria ouvir. Mas conselhos não são regras e nem leis. Não aplique tudo no sentindo literal nessa vida, adapte-se. Afinal, ninguém transforma ninguém, meu bem.

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autor_jorge

redesenhando e reescrevendo.

Pois saiba, que a minha casa ficou toda rabiscada essa noite, no meio dos meus trabalhos, no meio dos meus traços. Eu finalmente segui um conselho de uma amiga de não bloquear nada que viesse na minha mente. Comecei a anotar em absolutamente qualquer lugar tudo que viesse na minha cabeça e eu nunca consegui dizer pra você. Meus desenhos se amontoavam na mesa. Os papeis dos meus croquis, o guardanapo, o espelho esfumaçado do banheiro. Absolutamente tudo que me deixasse espaço para escrever, eu escrevia. E meu amor, eu preciso te avisar, era tudo sobre você.

Aliás, era tudo sobre a forma como você veio e apareceu na minha vida, esse jeitão de quem sabe exatamente tudo o que quer e o quanto quer. Esse jeito despreocupado e organizado. Esse jeito de quem bota o sol pra dormir e o acorda antes de ir descansar. É esse seu jeitinho mesmo, que eu tento explicar pras minhas amigas, mas nunca acho uma forma exata de te definir. Acho que me encantei por todas as suas formas de tal maneira, que se eu for juntar todas as minhas amigas, elas devem achar que eu estou apaixonada por uns oito homens diferentes.

Linha por linha procurando uma forma de te agradecer por todo esse peso que você tirou das minhas costas por puro cavalheirismo, sem que eu lhe dissesse uma palavra. Tirou o que me acumulava por comparar todos os novos rostos com um antigo. Assim tão tranquilo, com a voz mansa me contando as mesmas histórias, só que com outras pontuações. Sem que eu pedisse você simplesmente veio, adicionou algumas doses bem contadas do teu ego e me completou perfeitamente. Se você soubesse o quanto eu esperei pra que alguém sentasse ao meu lado e me ajudasse a entender todos os pontos sem nó que eu deixei pelo caminho, você teria aparecido bem antes.

Olha, eu acredito em algumas coisas irônicas da vida. Essas pessoas que aparecem na nossa vida apenas para ajeitar alguns serviços que não foram feitos tão bem por outras pessoas. Você entrou sem ser convidado, deu prazo de validade e deu dia e horário da despedida. Exatamente no seu tempo você me mostrou todas as pequenas coisas que eu havia esquecido. Foi categoricamente diferente de todos. Essa mesmice deliciosa, que a gente busca toda sexta feira quando a lua chega e sentamos com as amigas numa mesa de bar. Você ao invés de ser mais do mesmo, resolveu ser o que me faltava. Como se fosse uma última tarefa que você devesse cumprir antes de seguir completando os serviços mal acabados desse mundo.

Só agradeço muito, por melhorar a imagem errada que eu resolvi carregar comigo. Por mostrar quase sem fazer esforço que antes de dar errado, deu certo. Deu certo por muito tempo. Só que eu, toda boba, que resolvi guardar comigo só aquele final ruim. Que quanto mais eu falava, mais eu lembrava aquele erro, mais longe eu ficava das boas memórias. Você foi essencial em mostrar o quanto todos nós somos essenciais nas vidas dos outros. Que por pouco tempo, podemos ser marcantes e memoráveis. Que nos últimos anos eu só acrescentei amigos ao meu ciclo de amizade. Afastei-me de alguns, parei de falar com poucos, mas sei o quão importante cada um foi graças a ti. Melhores amigos virando estranhos, estranhos se tornando melhores amigos.

Tudo acontece e tudo tem seu tempo. Mas por enquanto eu vou aproveitar o pouco que você ainda está aqui.

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autor_jorge

resposta

H.

Não sabia exatamente como começar essa resposta, você diz que rabiscou tantas cartas e tantas respostas pra mim. Deveria pensar duas vezes antes de dizer qualquer coisa que me fizesse querer pegar o primeiro avião com destino ao teu abraço. Li sua carta ontem. Tenho de ser honesto o suficiente de te dizer que você demorou muito para dizer essas palavras. Afinal, só ontem eu consegui salvar meu anteontem, iluminou meu próprio ontem e clareou o meu amanhã em um caminho só: Você.

Tento entender ainda por qual maldito motivo, esse mundo que dá tantas voltas e todos dizem ser tão pequeno insistiu em cruzar nossos caminhos exatamente quando tudo já parecia estar traçado. Acho que no cronograma celestial era pra nos esbarrarmos, conversarmos brevemente sobre qualquer assunto bobo. Até a hora que eu contasse alguma piada ruim. Nessa hora você arrumaria alguma desculpa, mexeria no cabelo e pegaria o celular inventando alguma ligação urgente que te tirasse dali. Só que não foi assim que a gente quis.

A gente já começou sabendo que teríamos data pra terminar. A contagem que todo mundo sonha em ser pra sempre, no nosso caso era totalmente regressiva. Assisti o sol nascendo daquele dia do seu lado, jurei ali naquela pedra que não veria aquilo como um dia menos com você. Prometi baixinho, quase num sussurro, que cada dia que eu passasse longe de você seria recompensado por mais um ano do teu lado. Você sem nem ouvir uma palavra sequer da minha oração, repousa a cabeça no meu ombro, entrelaça teu braço no meu e pega na minha mão. Beija-me rapidamente na bochecha e diz no meu ouvido que eu tinha um lindo dom de fazer o tempo parar. Meu bem, se eu tivesse mesmo pode ter certeza que não teríamos saído daquelas pedras até agora.

Noite passada eu sonhei com você. Foi tão bom, que acordei sem sono e a única coisa que eu queria era voltar a dormir. Engraçado como eu procuro qualquer semelhança em você nos costumes daqui. Esses dias, ouvi uma risada parecida com a sua na livraria. Levantei tão rápido da mesa que quase derrubei o café. Daquele meu jeito atrapalhado sabe? Aquele jeito que ia desengonçado pro seu abraço por eu ser bem mais alto que você. Aquele jeito que te olhava de cima prometendo de proteger de absolutamente tudo enquanto eu estivesse ai. Aquele meu jeito que adorava quando chovia repentinamente, só pelo fato de tentar te proteger das gotas de abraçando.

Queria terminar essa carta dizendo quando eu volto, passando o endereço de algum flat na cidade pra gente se internar por alguns dias e ficar operando essa saudade. Mas não vai dar e isso me corta o coração. Queria dizer que você remendou todos os meus cacos que a vida estilhaçou e os deixou perfeitamente bem colocados. Diria até melhor do que antes. Queria pedir desculpas por não ter entrado na balada que você estava quando conheceu a sua mágoa. E isso cortou o seu coração. Quero que você viva intensamente esses dias que você tem sem mim. Quero que você continue fazendo as pessoas sorrirem apenas rindo. Quero que me desculpe por ainda não curar todas as feridas do seu coração, eu precisei te conhecer, pra entender que quando a gente tem dois corações partidos, se cuidarmos direitinho, eles encaixam muito bem.

Se cuida,

E até breve meu amor.

J.

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autor_jorge

responda

Hoje eu resolvi escrever uma carta pra você. Quero dizer, mais uma né já que as outras eu nunca enviei e guardei em uma caixa de sapato no fundo do meu armário. Mas nesta em especial eu quero falar das saudades que eu estou de você nos últimos dias que estão se arrastando na minha vida. Dos beijos no banco da praça, das risadas altas na madrugada, do chamego no portão de casa. Mas o que eu mais sinto falta é de você. Mas quando eu digo ‘você’ eu falo literalmente de algo muito maior que fez eu me sentir diferente.

Separei minha caneta de tinta preta, a preferida entre tantas que já rabisquei algumas frases pensando em você. Minha primeira lembrança de nós dois veio em meio a algumas incertezas de data, lugar e tempo que não lembro muito bem. Digo isso porque você me fez perder o controle de tudo ao redor quando te vi. Andando distraída pela calçada, como sempre, você simplesmente surgiu na minha frente e esbarrou em mim. Foi um desastre, mas não tinha como ter sido melhor. Demos uma trombada entre a multidão e que nem em cena de filme eu estava quase caindo e você me segurou pelos braços.

Não sabia se eu te xingava ou se arrumava meu cabelo que ficou todo bagunçado quando vi que você era lindo. Só sei que depois de você pedir mil desculpas eu me fiz de difícil e joguei um charme até então aceitar o seu convite pra tomar um café. De lá para cá tivemos momentos incríveis que nos acompanharam por todo esse tempo. Você apareceu na minha vida como mágica. Aliás, eu acho que foi o cupido que deve ter te flechado bem na hora em que passei ao seu lado. Ô sorte a minha e sua também é claro!

Mas a ironia do destino quis que você e eu nos separássemos um pouco depois de tudo o que vivemos. Quem sabe fazia parte do plano do nosso cupido, porque mesmo longe te sinto perto de mim todos os dias. Em cada movimento que eu dou lembro de quando a gente dançava junto todos os diferentes ritmos musicais. Em cada piada sem graça que inventam em me contar eu me lembro do quanto você era um palhaço. E como não esquecer os momentos que a gente passava na cozinha da sua casa se lambuzando com nossas receitas malucas e fazendo guerra de farinha. Você ficava tão gato todo sujo e de avental que eu até fico sem graça só de lembrar.

Mas eu sei que com o tempo tudo isso que vivemos vai voltar, porque o que é nosso foi interrompido e não foi concluído. Assim como as cartas que eu tentei escrever pra te enviar com a curiosidade de saber como você está. Eu espero que esteja bem. Solteiro é claro, mas que esteja feliz e vivenciando muitas coisas legais pra depois compartilhar comigo.

 Se um dia você se sentir assim como eu estou hoje, morrendo de saudades, por favor, escreva uns versinhos pra mim e me envie pelo correio. Meu coração não vai caber no corpo de tanta alegria, eu te prometo.

Não vejo a hora de esbarrar novamente com você por essas ruas.

Um beijo de sua sempre apaixonada!

H.

autor_helena

prazer, coragem!

Ela anda com passos firmes e ritmados. Na bolsa traz uma bagagem de recordações que a fizeram uma grande mulher. Unha vermelha, cabelo solto, maquiagem que destaca os olhos cor de mel! Ela não liga para o que passa em sua volta, porque seu destino já está traçado e seu caminho é percorrido com uma única certeza: encontrar novas histórias. Não só novos contos, mas encontrar gente, igual ou diferente a ela.

Ela nunca foi de ligar para melodramas, mas não dispensa um café na cama e a massagem no corpo todo de arrepiar a nuca. Sua postura indica que é independente, mas a carência muitas vezes passa pelos seus olhos como quem assopra para tirar um cisco que ousou derramar uma lágrima inocente nas bochechas. O seu mundo é dividido em aventuras e calmaria, como a que ela sente quando demora pra se levantar da cama.

Pensa em cada detalhe do dia, porque ela vive na incerteza e isso a faz ser uma pessoa melhor e enxergar além do que você que está lendo estes fragmentos de pensamentos. Mas é nestes detalhes que ela cruza com o seu próprio destino. Destino esse que pode surpreender, mas que também entrega aquela doçura de viver! Por muito ela já sorriu, chorou e pensou. Só que hoje ela quer encontrar o que completa. Mas sinto te dizer que o que completa nos faz querer ser o famoso algo a mais.

Ela sabe que isso pode ser perigoso, porque o imprevisível sempre bate à nossa porta, mas ela não liga pelo simples fato de sentir o coração palpitar! Então vai lá garota e arranca de alguém o que você espera viver um dia e não se esqueça de mostrar quem você realmente é, porque na hora que o destino cobrar você precisa ser quem foi nestas últimas andanças por aí. Boa sorte, Coragem!

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autor_helena

não faz assim, por favor

Você sabe que você está completamente errado. Sabe também que não era esse o combinado, que você fugiu totalmente do roteiro desse gênero de filme. Você tem que estar totalmente ciente de que tudo isso que está acontecendo é uma completa culpa sua, não minha, totalmente sua. Espero que agora partindo desse princípio, você possa enxergar que esse lado da história está completamente perdido. Que não sabe nem como começar a escrever essa carta, que sente um embrulho enorme por não saber nem como fazer com que ela chegue nas suas mãos. Que esse lado da história começa a rir sozinha quando pensa que o relógio tá quase marcando a hora de você sair do trabalho e responder as mensagens instantaneamente. Que esse lado da história tenta guardar os tipos de chocolates diferentes que você entrega, que todas as vezes se frustra por não conseguir. Que esse lado tá começando a achar que é paixão. Que esse lado da história sou eu.

Espero que você durma com a cabeça bem pesada todos dias quando se deitar. Principalmente por saber que não era pra você realmente ter desaparecido com motivos quatro dias depois da nossa noite. Era pra você ter entrado naquele contexto imbecil que pelo menos uma vez por semana minhas amigas compartilham no Facebook, falando que, quem quer dá um jeito, que segunda vira o caralho de uma sexta e mimimi. Ai poderia te colocar na prateleira de “homens que parecem ser os certos mas não são”. Não era pra eu descobrir que você tinha que passar o domingo com a família, não era pra você ter uma reunião importante na segunda, adoecer na terça e só melhorar no fim da quarta. Era pra você ter sido canalha, ter sumido mesmo, na cara de pau. Não era pra você ter passado por todas essas coisas e depois me contar exatamente como elas aconteceram. Não pense que eu acreditei em ti, pelo fato dos seus olhos ainda estarem cansados ou pela sua cara de dó. Acreditei por ser dessas meninas que vai atrás por conta própria e, descobre até o seu número da camisa no time da faculdade. Fiz figas pra você mentir na minha cara. Não era pra você ser verdadeiro, que saco!

Não era pra você falar que entendia que eu não queria te ver. Por Deus, era para você inventar qualquer desculpa mole e ir atrás de outra menina. Eu não estava com dor de cabeça, só não estava me sentindo segura comigo. Você simplesmente tinha de copiar a mensagem que me chamava pra ir no cinema pra qualquer outra menina que comenta nas tuas fotos do Instagram. Elas moveriam mundos pra ir com você. Não era pra você passar aqui com um potinho daquele seu brigadeiro mágico, deixar na minha portaria com um Post-it escrito: “Come que melhora, juro. Te ligo voltando do bar, melhoras. Beijos”. E juntar três amigos desocupados, escolher um bar porco onde eu não tenho nem como argumentar que tenha alguma outra garota, de tão imundo. Pedir um caminhão de cervejas e assistir dois jogos de futebol, entre quatro times sendo que nenhum deles era o seu. Pelo simples fato de que se não fosse pra terminar o domingo ao meu lado, você não queria outra companhia se não fosse seus amigos. Você tava me dando um espaço de carinho na sua vida, onde as outras pessoas já estavam lá por muito tempo, no mínimo uns dez anos.

Era pra quando você chegasse na balada você me dar um perdido, sumir como se eu nunca estivesse ali. Todo mundo faz isso. Mas não, me pegou pela cintura e me apresentou formalmente pra todos que cruzavam com a gente. Era pra quando chegássemos no bar, cada um fazer o seu pedido. Você perguntou se eu já tinha experimentado uma bebida com nome esquisito, eu respondi que não. Você pediu um copo, me pegou pela mão e disse que eu tinha que conhecer aquilo antes de morrer. Dividiu todos os seus copos comigo durante aquela noite. Até agora eu nem sei se aquela bebida vermelha era boa, mas tinha o gosto do seu drink favorito e, por Deus,  como isso era bom. Era pra você assistir o show do meu lado, você pra manter sua escrita de todo errado, me abraçou e ainda proseava alguns versos no meu ouvido, bem baixinho, quase um sussurro. O suficiente pra me arrepiar e me fazer sorrir, q-u-e-i-n-f-e-r-n-o.

Era pra que no caminho da porta da balada até o carro você ir falando por mensagens com qualquer outra pessoa. Eu ficaria muda, mexeria no meu também. Perguntaria pra milhões de amigas se eu deveria ou não estar com você ali naqueles últimos minutos antes da lua trocar de lugar com o sol. Mas não. Você veio conversando como se fossemos melhores amigos e pior, abriu a porta do carro para que eu pudesse entrar. Seu idiota fofo. Babaca lindo. Antes de resolver entrar na vida de alguém assim, certifique-se se a mesma encontra-se em condições de conviver com essa gentileza toda. Eu não entrei e nem vou entrar em nenhum parâmetro aqui, não gosto nem de lembrar que numa dessas semanas que você viajou a trabalho e mal falava com a sua família, você lembrou de perguntar se eu tinha ido bem na prova da faculdade. Sério, foi tipo um “boa noite, dorme bem querida e penso em você antes de deitar mesmo longe.”

Era pra você ostentar uma felicidade, dessas que todo mundo pode pagar. Essa sua gentileza simples e esse jeito atencioso são caros demais para se comprar nos dias de hoje

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autor_jorge

colecionando corações

Eu tô aqui sentado no mesmo banco nas últimas três horas.

Não sei se por preguiça de levantar do balcão, se pelo fato de mais da metade da garrafa de Jack Daniel’s já ter ido embora ou então, se é pelo fato de estar apenas quieto. Meus olhos semi-serrados apenas admirando o quão turbulenta você é. Dentro desse teu vestido preto que molda o seu corpo como se fosse desenhado exclusivamente pra ti. Traçado detalhadamente para as suas curvas. E quando você se vira pra outra direção, meu Senhor, essa enorme fenda nas tuas costas combina com a tatuagem delicada que você tracejou bem na sua espinha, acelera o coração do bar inteiro.

Sinto as palavras se misturarem na minha mente de uma forma que não consigo formar nenhuma palavra com nexo, dou um gole maior do que os outros no meu whisky. Aperto o copo, limpo a boca com a manga da camisa e suspiro buscando um ar que você levou embora. Você então some do meu campo de visão. Eu me acalmo. Ufa, a turbulência passou.

Você vai e volta pelos cantos do bar com sua amiga pela mão. Sorri para todos os olhares que te devoram, que sorriso lindo. Retribui a maldade de alguns deles, ainda morde a ponta do canudo enquanto eles tentam te impressionar com algumas frases de efeito no meio das conversas, por pura maldade. Esse olhar, seguido dessa mordida, com a sua franja cobrindo apenas um dos teus olhos, não sei se te avisaram, mas chega a ser criminoso de tão mortal. Você deveria ir devagar com isso, sério.

Vez ou outra você larga a mão da sua amiga, desaparece pro lado da mesa de sinuca, ali onde a luz é mais baixa do que no resto do bar. Naquele canto escuro, quase um beco, você simplesmente domina a situação de uma maneira tão grande que eu chego a ter dó do rapaz. Uma presa, totalmente domada e encantada pela armadilha. Como se o queijo da ratoeira daquele rato durasse pra sempre, enquanto a guilhotina se desloca lentamente pra dar um fim naquela história.

Então você para, se acanha e sussurra algo no ouvido dele. Sussurra não, ordena. E como um bom servo ele segue exatamente as suas ordens. Cometer mais um dos seus crimes ali na frente de todos não seria tão agradável. Melhor tirar o seu corpo dali. Caminha até a amiga, conversa meio atabalhoada, a amiga parece não gostar. Você sorri, ela sorri também, meio amarelo é verdade, mas retribui. A amiga começa a planejar como ir embora, até penso em oferecer uma carona nesse momento. Pelo meu próprio bem peço uma dose dupla, pelo bem dela, prefiro que ela vá de táxi.

Mas então, você então entrega todos os seus pontos em um gesto rápido e singelo. Juro que se não estivesse tão vidradamente bêbado e travado em você, passaria despercebido.

Enquanto ele não voltava, você deixou sua máscara de lado. Apoiou o seu casaco ao seu lado do sofá, sentou-se e abriu o celular. Olhou por todas as formas o que alguém estava fazendo, olhou um pouco mais, como se quisesse matar a curiosidade de semanas ali, naqueles seus dez minutos de coragem. Queria aproveitar a ausência de culpa, os três/quatro copos de bebida já faziam efeito, o fim daquela noite ela já sabia qual seria. Olhou e não encontrou. Quando viu as mensagens que não apareciam por nunca terem sido mandadas, seus olhos tremeram. O mesmo tremor correu rapidamente pelo corpo e foi até a mão, que acariciava aquele número sem nome. Que ela dizia não saber de quem é, mas já o sabia de até de trás pra frente. Balançou a cabeça lentamente, desligou o celular e o guardou na bolsa. Suspirou leve e sorriu para a amiga, que não dava atenção. Fechou os seus olhos devagar, como se por alguns segundos se despedisse provisoriamente daquele rosto que não apareceu nunca mais.

Deu as mãos para a presa, deu as costas para o mundo. Na casa dela, as paredes se confundem com as teias de outras vitimas. Ali é o acerto de contas, o fim da linha. A hora onde a história começa pra ele mas é também a parte onde termina pra ela. Quando o dia amanhece e ele já não está mais com o controle da situação. Na sua estante imaginária onde coleciona corações, o dele ainda acaba de chegar fresco e ainda pulsando. Ele vai embora, morrendo por ela. A viúva-negra dorme tranquila, mais uma vitima saciando a sua vontade. Uma pena, mais um corpo que a preenche de vazio. Deixa o tempo fazer o papel dele naturalmente sem precisar machucar ninguém. Sem pressa, minha viúva, só tenha cuidado. Tentar esquecer também é uma forma de lembrar.

Um dia passa viúva, com alguém vai passar

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nosso blues

O Blues que tô escutando agora sozinha em casa me lembra daquele dia que você cantou pra mim. No escuro daquele quarto de hotel de quinta categoria o cigarro deixado de lado ainda fazia uma cortina de fumaça e dava o toque de rebeldia que você desfilava pelas ruas. O mundo te reverencia e eu acho isso demais. Enquanto eu penso nisso sentada na beira da cama, na tua frente, você começa a tocar e o som do violão com a batida do seu pé no chão me faz querer dançar pra você.

Levanto-me e continuo de olhos fechados, contribuo para o nosso show particular protagonizado naquele final de semana que ficou marcado na gente. Você parece um artista de cinema com esse gel no cabelo e a blusa de botão aberta no peito. Seu sorriso se encaixa perfeitamente com a letra cantada por sua voz grossa. A me ver dançando seus olhos não se desgrudam da minha cintura que ganha vida nas notas da tua melodia. Começo a te seduzir e você gosta do jeito que encaixo no teu ritmo. Vestida com sua camisa branca e de pés descalços faço você viajar no tempo e ao me levar junto a gente se embala no Blues. Não sabia desse seu poder em me fazer dançar. Acho que a combinação daquele vinho me trouxe pra perto de você e a gente se entendeu na hora. Até que chamou para sentar no seu colo e aprender umas notas musicais no seu violão.

Só que naquela tarde o que eu menos queria era à noite. No dia seguinte partiríamos para o desconhecido e você ia pegar seu violão pra buscar teu sonho. Quem diria que do bar da esquina você iria conquistar o mundo, honey. Quanto adentrei pela porta lá estava você e suas canções. Bati o olho no seu braço musculoso de tanto tocar e a blusa charmosamente com as mangas brancas dobradas, a mesma que você me deu pra dormir, prenderam a minha respiração. Teu jeans surrado me chamou pra sentar na primeira mesa de frente para o palco. Sentada eu balançava a cintura e a cabeça ao mesmo tempo em que com os olhos eu te engolia.

Eu não me conhecia até ficar bêbada com o teu som. Sua voz entrou em mim e me deixou elétrica. No intervalo você me pagou uma bebida e em seguida me dedicou uma música! Que sensação incrível. Meu show particular acabou e você me puxou pra fora dali no mesmo instante. Foi aí que o quarto de hotel trouxe uma noite incrível. Você me tocou, como se eu fosse seu violão e com suas mãos me fez ser a sua nota perfeita, sua melodia mais envolvente. O mundo é seu, honey! E então fez ser sua musa inspiradora, calçou suas botas e com o violão nas costas pegou a estrada para levar a nossa noite inspiradora por aí. Espero que continue fazendo bom uso da minha alma que você trouxe para sua partitura. A gente se vê no próximo show particular, em um boteco por aí.

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eu ainda não entendo química

Peguei as minhas malas, arranquei o celular da tomada ainda balançando o carregador, vesti  aquele jeans meio surrado e calcei literalmente o primeiro tênis que encontrei. Entrei no carro e comecei a rota de busca pelos meus companheiros de viagens. Adiantei o meu relógio para que eu pudesse não me atrasar. Abasteci o tanque do carro com gasolina e o meu peito com esperança. Pra ver se dessa vez, eu finalmente consiga encher esse meu tanque com alguma coisa que não seja saudade. Paguei o frentista com os trocados que tinha na carteira e completei com recibos dos teus abraços, que ficavam aonde você deixava seus anéis.

Poucos metros depois, até a janela do meu primeiro amigo, que obviamente não estava pronto. Tempo é uma coisa estranha, tem gente que usa pra calcular a velocidade, tem quem entende ele mas não controla. E tem quem não entende e fica pedindo às vezes pra pensar. Eu sempre fui assustadoramente pontual, diferente dele. E de você, meu bem. Eu adiantei os ponteiros dos nossos horários também, você mal se importava com o tempo atual. Mas vez ou outra nosso ponteiros cruzavam. Nessa hora eu podia ouvir os sinos tocarem. Os pássaros cantarem. Podia ver meus planos acontecerem exatamente no meu tempo. Pra mim era tudo acontecendo como eu queria. Pra você era só viver aquele momento, naquela hora. Mas no meio daquele relógio cético da minha vida, você adiantou as estações. Eu estava começando a entender o inverno, você estava no auge do verão.

Inconsciente é uma coisa engraçada. Tô com todo o final de semana planejado e mesmo assim a cabeça insiste em querer simplesmente te ligar. E o meu maior medo nessa ideia toda, é simplesmente você atender. Se você soubesse metade do efeito da sua voz, entenderia porque eu gostaria de engarrafa-la. Pra que todo mundo pudesse sentir o que eu sinto, quando você diz: Alô ou Olá. Acho que elas despertam alguma incrível reação química no meu corpo. Na verdade acho que essa é a palavra que eu tento desmembrar sempre que me lembro de você. Química, maldita química. Sem conhecer como sentimento eu já odiava você com todas as forças. Com todos os seus princípios reagindo dentro de mim eu odeio mais ainda.

Viajando para lugares que eu nunca estive pra preencher sentimentos que eu conheço bem e não consigo esquecer. Parece uma maluquice tremenda. Mas se visto de outra forma, é a mesma coisa que eu sinto, ao ver as pessoas caminhando de mãos dadas, explodindo em longas gargalhadas e sentir uma saudade de algo que eu nunca tive. Expliquem isso pra mim agora, químicos malditos. Adoraria entender quais as malditas ligações devem ser quebradas para que essa cadeia viciosa e rotineira se acabe de uma vez. Pelo menos dentro de mim, que é onde parece que a coisa realmente vingou.

Além do mais talvez no meio dessas dúvidas, meu mundo tenha realmente começado a girar num sentido certo. Voltei para as minhas corridas e acredite se quiser mês que vem corro minha primeira meia maratona. Nunca estive tão bem no trabalho. Que está bem longe de ser voltado para essas ciências exatas. Ainda que eu realmente entenda soluções dessa matéria ou sentimento. Posso enumerar todas as coisas que eu aprendi nessa minha vida e que não vão mais me servir de nada: Bháskara, Tabela Periódica e todo esse carinho que eu sinto quando me lembro de ti.

Ufa meu amigo, que demora pra você chegar, peguei no sono e lembrei das aulas de química da nossa escola, acredite se quiser…

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volta um dia e me arrrepia

Os seus olhos para mim representam um furacão que devasta a imensidão dos meus sentimentos. São belos como qualquer acontecimento da natureza, mas devastador muitas vezes, assim como quando você partiu em silêncio sem me dizer adeus, dando motivos para eu me deixar levar com o vento. Nunca entendi para que ter tanta intensidade, como esse fenômeno natural, se poderíamos ter sido apenas um vento que arrepia a pele da cabeça aos pés. Tinha que ser cheio de emoções sim, mas tinha que durar. Tive tão pouco de você. Temporais são bons e te fazem sentir viva, dão adrenalina, mas isso passa. Dura pouco e marca na pele e nas lembranças. Só que a gente não merece isso meu bem! Merecemos ser a beleza da neve caindo no rosto de um casal apaixonado que dança coladinho no meio do frio. Ou de um casal que se beija debaixo da chuva de verão na praia mais sensacional do mundo.

Você chegou sem pedir licença e me fez tremer as pernas. Minha mão suava e eu até gaguejei quando você me chamou pra sair pela primeira vez. Eu parecia uma novata que nunca tinha sido cordialmente levado uma cantada de um garanhão de cabelos encaracolados como você. E o sorriso branco como a neve? Meu Deus! Parecia um artista de cinema usando camisa jeans com o botão aberto mostrando parte da pele bronzeada. No meu mais puro sonho eu até já tinha te visto, ou talvez imaginado. Mesmo querendo um pouco mais foi tudo perfeito. Foi perfeito do nosso jeito, à nossa maneira. Vesti a roupa mais bonita que eu tinha. Um vestido rodado amarelo com botão de pérola. Calcei um sapato baixo só para ter a sensação de ficar na ponta dos pés e levantar bem de leve uma das pernas ao tocar seus lábios. Sou tão boba que até ensaiei na frente do espelho!

Minha campainha tocou e eu ainda estava com o cabelo molhado. Fiquei ensaiando nosso momento que até me esqueci do tempo. Peguei a bolsa e desci as escadas que nem uma flecha em direção para acertar o seu coração. Acho até que você gostou de ver meu cabelo ainda todo bagunçado, porque seu sorriso me respondeu de imediato ao olhar para minhas madeixas! Conversa vai, conversa vem e você me levou no restaurante mais charmoso da cidade. Melhor ainda, era de frente pra praia. O barulho das ondas, a lua lá de cima só fitando a gente. Mas a ansiedade foi batendo, porque nem tocar na minha mão você teve a ousadia durante o jantar. Eu não tava me aguentando! Mas aí você se faz furacão novamente e me desmonta por inteira! Andando descalços, na beira da praia você interrompe mais uma das minhas histórias chatas e sem graça, pega na minha cintura, entrelaça seus dedos no meu cabelo e me toma como um verdadeiro vendaval. Sinto tudo que poderia imaginar só me esqueci de levantar a perna para ficar perfeito como num beijo de cinema! Mas para quê né se tive a sensação mais inexplicável ao te beijar?!

Pequenas gotas começam a cair naquela noite de verão e você me chama para dançar, da mesma forma que eu queria que fosse. A gente entra no mar do jeito que tá vestido e nem liga para o que vão pensar. Nossas risadas tomam conta da imensidão noturna e até hoje a sua voz invade os meus pensamentos. Ainda molhados e com gosto de sal nas bocas você pega na minha mão e me leva para casa. No beijo de despedida não esperava que fosse tão ao pé da letra. Você segue pela rua e antes de eu fechar a porta você acena para mim. Parece surreal, mas nesta hora sinto um aperto no coração e um vento invade por debaixo do meu vestido até balançar meus cabelos. O arrepio passa por todo o meu corpo e eu percebo que tive a noite mais atemporal da minha vida. Você não vai voltar, eu sei. Mas as lembranças me bastam por enquanto. Quem sabe num dia de chuva torrencial você não aparece do meu lado e me puxa para debaixo do seu guarda-chuva e a gente vive mais uma estação do ano como aquela noite de verão?

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autor_helena