colecionando corações

Eu tô aqui sentado no mesmo banco nas últimas três horas.

Não sei se por preguiça de levantar do balcão, se pelo fato de mais da metade da garrafa de Jack Daniel’s já ter ido embora ou então, se é pelo fato de estar apenas quieto. Meus olhos semi-serrados apenas admirando o quão turbulenta você é. Dentro desse teu vestido preto que molda o seu corpo como se fosse desenhado exclusivamente pra ti. Traçado detalhadamente para as suas curvas. E quando você se vira pra outra direção, meu Senhor, essa enorme fenda nas tuas costas combina com a tatuagem delicada que você tracejou bem na sua espinha, acelera o coração do bar inteiro.

Sinto as palavras se misturarem na minha mente de uma forma que não consigo formar nenhuma palavra com nexo, dou um gole maior do que os outros no meu whisky. Aperto o copo, limpo a boca com a manga da camisa e suspiro buscando um ar que você levou embora. Você então some do meu campo de visão. Eu me acalmo. Ufa, a turbulência passou.

Você vai e volta pelos cantos do bar com sua amiga pela mão. Sorri para todos os olhares que te devoram, que sorriso lindo. Retribui a maldade de alguns deles, ainda morde a ponta do canudo enquanto eles tentam te impressionar com algumas frases de efeito no meio das conversas, por pura maldade. Esse olhar, seguido dessa mordida, com a sua franja cobrindo apenas um dos teus olhos, não sei se te avisaram, mas chega a ser criminoso de tão mortal. Você deveria ir devagar com isso, sério.

Vez ou outra você larga a mão da sua amiga, desaparece pro lado da mesa de sinuca, ali onde a luz é mais baixa do que no resto do bar. Naquele canto escuro, quase um beco, você simplesmente domina a situação de uma maneira tão grande que eu chego a ter dó do rapaz. Uma presa, totalmente domada e encantada pela armadilha. Como se o queijo da ratoeira daquele rato durasse pra sempre, enquanto a guilhotina se desloca lentamente pra dar um fim naquela história.

Então você para, se acanha e sussurra algo no ouvido dele. Sussurra não, ordena. E como um bom servo ele segue exatamente as suas ordens. Cometer mais um dos seus crimes ali na frente de todos não seria tão agradável. Melhor tirar o seu corpo dali. Caminha até a amiga, conversa meio atabalhoada, a amiga parece não gostar. Você sorri, ela sorri também, meio amarelo é verdade, mas retribui. A amiga começa a planejar como ir embora, até penso em oferecer uma carona nesse momento. Pelo meu próprio bem peço uma dose dupla, pelo bem dela, prefiro que ela vá de táxi.

Mas então, você então entrega todos os seus pontos em um gesto rápido e singelo. Juro que se não estivesse tão vidradamente bêbado e travado em você, passaria despercebido.

Enquanto ele não voltava, você deixou sua máscara de lado. Apoiou o seu casaco ao seu lado do sofá, sentou-se e abriu o celular. Olhou por todas as formas o que alguém estava fazendo, olhou um pouco mais, como se quisesse matar a curiosidade de semanas ali, naqueles seus dez minutos de coragem. Queria aproveitar a ausência de culpa, os três/quatro copos de bebida já faziam efeito, o fim daquela noite ela já sabia qual seria. Olhou e não encontrou. Quando viu as mensagens que não apareciam por nunca terem sido mandadas, seus olhos tremeram. O mesmo tremor correu rapidamente pelo corpo e foi até a mão, que acariciava aquele número sem nome. Que ela dizia não saber de quem é, mas já o sabia de até de trás pra frente. Balançou a cabeça lentamente, desligou o celular e o guardou na bolsa. Suspirou leve e sorriu para a amiga, que não dava atenção. Fechou os seus olhos devagar, como se por alguns segundos se despedisse provisoriamente daquele rosto que não apareceu nunca mais.

Deu as mãos para a presa, deu as costas para o mundo. Na casa dela, as paredes se confundem com as teias de outras vitimas. Ali é o acerto de contas, o fim da linha. A hora onde a história começa pra ele mas é também a parte onde termina pra ela. Quando o dia amanhece e ele já não está mais com o controle da situação. Na sua estante imaginária onde coleciona corações, o dele ainda acaba de chegar fresco e ainda pulsando. Ele vai embora, morrendo por ela. A viúva-negra dorme tranquila, mais uma vitima saciando a sua vontade. Uma pena, mais um corpo que a preenche de vazio. Deixa o tempo fazer o papel dele naturalmente sem precisar machucar ninguém. Sem pressa, minha viúva, só tenha cuidado. Tentar esquecer também é uma forma de lembrar.

Um dia passa viúva, com alguém vai passar

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autor_jorge

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