o número desconhecido

O telefone toca mas o número não era o mesmo. Não sei se estávamos diante de um novo ou simplesmente aquele contato não era teu. Mas atendi. Do outro lado da linha, sua voz rouca e abafada continuava o assunto como se fôssemos os melhores amigos. Não éramos e você sabe. Descobri o dono da magia quando ouvi a risada abafada, quase que como se fosse mastigada. Reparei pelo sotaque que você ainda coloca na última vogal da frase. Descobri pois na verdade eu nunca esqueci.

Atirei meu corpo contra o azulejo da sala, enquanto você me paparicava com as suas desculpas por eu não ter mais o seu contato. Aquele seu joguinho massante de sedução. Primeiro agindo naturalmente como se nossa última ligação tivesse caído, quando na verdade, eu adoraria ter arremessado meu celular contra a sua direção. Depois o discurso ficava mais adocicado, dizem que eu te devia desculpas por ainda não ter o teu nome nos meus contatos e por eu ter sumido sem razão.

Dessa vez a risada não foi abafada, foi bem alta. Para que você pudesse ouvir, até mesmo para as tuas duas próximas gerações. O tom dela não era nem meigo, nem simpático. Mas uma risada suficientemente amarga para poder passar boas doses de juízo pra essa tua emoção. Suspirei lentamente e chamei o teu nome pela primeira vez, afinal, era a minha hora de ter um pouco de atenção.

Expliquei por tópicos, para tentar ser o mais transparente possível, diante de toda aquela situação. Contei que sonhei com você algumas noites depois que você foi embora. E disse que seria mais fácil você ter me dado o teu adeus, sem ter atirado pedras em minha direção. Expliquei que covardia, era o nome desse processo de destruição de caráter que você resolveu me apresentar sem que eu pudesse dar algum tipo de explicação.

Sua voz do outro lado, já não parecia mais brincar e o silêncio mais uma vez falou tudo o que você não teria coragem. Com a sua mudez você admitiu o seu erro e abraçou o seu próprio medo. Me procurou por recordar sozinho que eu arrancava seu sorriso sem custo. Que uma cerveja gelada ainda é o meu melhor programa de sábado, e se eu pudesse, trancaria o mundo dento do que meu quarto, vestiria suas camisas e limitaria minha vaidade em arrumar o cabelo.

Lembrei que quando pedi que você ficasse, era exatamente por tudo de bom que você trazia e pelo pouco que você sugava. Que eu amava o fato da sua companhia ser tão leve e que ser feliz com o simples ainda é o que me encanta.

Então eu agradeço pela ligação, mesmo que tenha sido por engano. Pois é assim que eu prefiro lembrar. Bom saber que você está bem e cheio de paciência pra flertar.

Então desligo sem anotar seu número mas agradeço por ter me deixado falar. Talvez, o maior segredo pra ser feliz nessa vida, é deixando o passado o passar.

 

 

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autor_jorge

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