Eu lembro daquele dia…
Lembro em frames, em flashes.
Você chegou sozinho e se escorou numa mesa de canto.
Você e uma garrafinha de água sem gás, incitando o ódio de todos os demônios que nos dizem que beber na sexta é lei interestelar.
Eu, como ser humano mais influenciável por criaturas malévolas imaginárias, já estava fora da sobriedade.
Mas eu te vi.
E não vou esquecer do que senti aquela hora.
Precisei respirar fundo e obrigar minhas pernas bêbadas a caminharem até você.
Missão cumprida.
Agora faltava a segunda parte. Abrir a boca e pronunciar algo minimamente sensato e coerente.
Mas não, o álcool potencializa nossa estupidez e ao invés de falar algo do tipo “Oi, você veio!”, eu disse “E ai, bora beber que hoje é sexta!”, Legal, frase ideal para ser dita para alguém que bebe água no bar!
Pronto, ruborizei imediatamente após falar, me senti a mais completa idiota e fui ao banheiro.
– Licença, já volto!
No banheiro tentei imaginar maneiras de abrir um túnel que me levasse até o Japão, não encontrei e tive que sair de lá e enfrentar teus olhos indecifráveis.
Eram firmes e doces. Simultaneamente.
Me intrigavam.
A noite se seguiu entre trocas de olhares e sorrisos tímidos.
As horas passavam e a lua subia no céu, imponente e radiante, quase arrogante.
Eu não sabia mais o que fazer ou dizer quando você perguntou se podíamos ir embora.
– Calma coração, deixa pra parar de bater depois que eu chegar em casa! – pensei.
– Vamos! – respondi com cara de babaca.
E fomos, aquele silêncio constrangedor de duas pessoas que não sabem o que fazer nem dizer, pairava entre nós.
Chegamos na porta da minha casa.
– Obrigada!
– De nada!
Nossos olhos se encontraram, minha mão repousava na maçaneta e…
Uma mão na minha nuca.
Uma boca na minha boca.
Um gosto indefinível.
E tudo perdeu o sentido…
E eu que pensava que tudo se encaixava feito quebra cabeça quando beijávamos alguém assim, pobre de mim!
Que nada, o mundo vira de ponta cabeça!
Não ouvi sinos, ouvi alguma versão de “Is this love” do Whitesnake.
Desci do carro, entrei em casa, e não tive aquele sono cheio de sonhos coloridos e perfumados igual as pessoas tem nos filmes de romance.
Ao invés disso, fixei os olhos em algum ponto do teto e varei a madrugada a pensar no que tinha acontecido. Os olhos vidrados como se tivesse usado 1 quilo de cocaína.
– Maldição! – pensei. Estou apaixonada, ou abobada de vez, ou gripada!
E quem disse que o amor sempre parece conto de fadas?
Ás vezes é mais parecido com um tropeço no meio da rua lotada, com um chute na quina da mesa, quiça até feito unha encravada.
Desespero e alívio de mãos dadas.
Pensando assim, nem parece uma cilada!
Vem, se você vier comigo eu perco o medo dessa estrada…