Você entrou pela cozinha toda apressada. Numa confusão que só te deixava mais bonita. O cabelo caindo sobre o rosto, que você tentava tirar com um sopro. As mãos não largavam o celular. Dava pra ouvir as batidas do seu coração sem precisar me aproximar de você. Uma luta interna acontecia no seu corpo. Você não sabia se falava, se pulava ou se respirava. Criou coragem. Ou impulso. E cuspiu de uma vez: Consegui, vou embora!
A notícia que não te fazia parar de sorrir, entrou no meu organismo com a mesma delicadeza de um soco. Acompanhada de um perfume triste e um gosto amargo. Completamente irrelevante, sua alegria era realmente contagiante. Engoliu a minha tristeza. Ou só a cobriu com uma máscara. Me abraçou, me deu um dos seus últimos beijos molhados e me olhou sorrindo. Que inferno, como você é linda. Quase automaticamente eu sorri pra ti, também.
Olha como o mundo é curioso, você chegou aqui na porta da minha casa cheia de desconfianças. Eu, hipócrita que sempre fui, caminhava quase como um pavão. Peito estufado e olhar firme no horizonte. O que estava acima eu iria alcançar. Abaixo não me interessava. Só queria sua mão entrelaçada na minha e sua visão olhando sempre pra frente ao meu lado. Por falar na sua mão, deveria ter segurado ela mais vezes antes de te soltar pra sempre.
Foi nesse momento, que o mundo começou a girar. Bem mais depressa do que o comum, verdade seja dita. Você confiou tanto na minha sombra, que em poucos dias chamava de sua. Que seus programas chamava de nosso. Parecia que você me conhecia de outras vidas. Ou que a gente só tinha esse restinho nessa vida pra poder aproveitar um ao outro. Eu passei um pouco dessa minha confiança pra você. Misturei no teu café, até virar hábito. Tentei tirar tuas reclamações e transformar em suspiros. Tentei tirar seus medos e transformar em sorriso. Sem querer, consegui os dois.
Foi naquela última taça de vinho, que me despedi de nós dois. Com um sorriso irônico, aproveitava cada gole, sem pressa. Sem querer me importar com o amanhã. Curtindo cada gota. Você bebeu tudo, gole atrás de gole. Quase engasgou. Nem sentiu o gosto. Mas matou a vontade. Beber é uma forma da gente enxergar a vida. Quem costuma degustar rápido, raramente sente o gosto de verdade. Nem sempre mata a sede. Devagar demais, a gente aproveita cada gostinho, mas se demorar muito a gente vai sentindo o sabor mudar. Você me tomou num gole só, eu degustei devagarinho, até você esquentar. Quando a taça acabou você tinha matado a sua vontade. Eu ainda queria me deliciar. Não importa quantas taças a gente tome. Elas sempre vão acabar, mas nem sempre vamos ter outra garrafa pra não parar.
Você voltou pra sala pulando. Cantando sua música tema, pra variar. Eu voltei pra minha louça. Pras minhas taças. Que a vida me ensinou a não parar de lavar.
Um brinde pra tua saudade. Que eu vou beber pra esquecer. Que vou beber pra lembrar.
Que foram do jeito que tinham que ser. Pra gente não começar a trincar.
Quase te amei.
Obrigado por me lembrar o que é isso.