Ela foi embora.
Ele ficou parado. Imóvel. Refletindo.
Ela seguiu.
Ele sentiu saudade.
Não era uma conta muito difícil. Somaram absolutamente tudo o que podiam um do outro. Foi intenso. Mas chegou ao fim. Como tudo chega. Quando a porta bate pela última vez, a gente fica refletindo sobre o que acabou de dizer. Dura alguns breves minutos. Horas. Algumas vezes até dias. Argumentos, simplesmente são cuspidos pra fora. Como se fossem armas letais em uma guerra. A gente ataca pra se defender. Pra machucar. Morde quem tanto assoprou. Passa os outros dias conversando sozinho. Continua o debate embaixo do chuveiro.
Fala sozinho. Aliás, falar com o outro é a última das alternativas. Quando eu conto para o espelho, era o que eu precisava falar. Não o que você precisava ouvir. Pode parecer confuso, mas você me entende por fazer exatamente igual. E faz quando senta com as amigas pra falar das infantilidades irritantes dele, mas quando escolhe a sua bebida, pede aquela que ele te mostrou pela primeira vez. Toma um gole devagar e sente o gosto dele percorrendo a sua garganta. Enquanto a sua voz elenca cada um dos defeitos que lhe irritavam tanto.
Ele construindo um castelo de desculpas para apresentar na janela dela. Dizendo para os amigos que está bem, que a vida seguiu. Enquanto planos impossíveis são arquitetados no coração, para poder sentir outra vez os cabelos dela escorrerem pelo braço dele. O cérebro perto da boca era ardiloso e racional. Movimentava com cuidado cada palavra para que o coração dela nem sonhasse o quão amassado o dele estava. O coração um pouco mais distante, ainda batia na esperança de repousar encostado ao ouvido dela. Ele a queria. Mas ele precisava que ela fosse.
Precisava para poder entender que cada espaço da ausência de carinho na vida dele, era moldado perfeitamente, com os traços do rosto dela. Ou não. Ela precisava viver tudo que ainda não havia vivido tudo que seus olhos só assistiram de longe. Ela precisava sentir o gosto de cada desgosto amoroso dos outros. Ou não. Ele sempre cercado de lembranças precisava de uma sem explicação. Ela precisava ser uma. Tinha um dom incrível de não deixar saudades.
Não deixava por achar que amores não podem perdurar até se tornarem carinho. Precisava por uma pedra pra poder sentir segurança. Ele colecionava saudades com o maior orgulho do mundo. Aplaudia sozinho, cada conquista daquelas que um dia passaram no seu abraço. Ele sempre fiel ao silêncio para resolver as coisas. Resolvia devagar e sem pressa. Daquele jeitinho só dele, acreditando que no final tudo vai dar certo. Ela precisava de um estardalhaço, pra acreditar que estava fazendo algum efeito. Precisava fazer barulho de alguma forma pra não ouvir a própria saudade.
E talvez seja por isso, que a gente custe a acreditar que pra ter um começo precisamos ter um fim. Que não precisamos esquecer pra superar. Que ninguém aprende se apagar tudo da memória. Que carinho e amor tem um gosto estranho. Que arrepia. E às vezes até arde. Tem gente que passa isso sendo presente. E gente que não sabe fazer saudade. Põe pedras.
Ele seguiu
Ela parou. Refletiu.
Ele foi embora.
Ela sentiu saudades.
E o mundo deu mais uma volta.
Fim.