Era uma noite maravilhosa. Dessas gostosas que toda cidade de praia costuma fazer para presentear os visitantes. Nenhum semáforo fechou do caminho da minha camisa até o prédio dela. Pontualmente cheguei. Aguardei que ela descesse. Linda, com o batom que eu havia elogiado em uma outra foto. Perfume suave, não atacava minha alergia e se fazia presente. Ignorei o abraço vazio, pois era recíproco. Preenchia o meu cotidiano. Era mais do mesmo. Abri a porta do carro e puxei a cadeira no restaurante, como minha mãe educou. O fim da noite dela foi o pedido naquela mesa. Ela pediu por ficar bonito na foto. Pelo sabor suave e o curto tempo pra que ele chegasse. Errou em pedir o seu prato preferido. Errou muito.
Errou pois aquele prato anda com gosto de saudade, desde o dia em que você deu duas garfadas de sucesso na sua vida. Deixou o sol bater atropelar a sua janela do quarto. Não se importou com a minha presença no seu travesseiro. Recebeu a notícia de que seu sonho, agora aguardava só os seus últimos documentos para poder se concretizar. Desnorteado por despertar. Feliz por você. Querendo ser feliz com você. Eu digeri.
Mastiguei sabendo que uma hora eu teria que engolir. Empurrar pra dentro. Saudade e ego. Um bolo intragável. Prendeu na garganta, não descia de jeito nenhum. Eu queria sentir o teu gosto pra sempre. Você sempre quis me guardar pra depois. Eu nunca fui maior do que o tempero europeu que fazia teus olhos brilharem. Mesmo assim eu repetia toda noite pro espelho, que precisava almoçar com o seu sorriso.
Então eu aprendi a fazer o teu prato favorito. Estudei e queimei meus dedos até ouvir da sua boca que eu tinha feito o melhor que você um dia provou. Você focando na sua vida. Eu focando em você. E a gente foi satisfazendo a fome um do outro. Eu colhi todos os frutos que um dia tiraram da sua mão, pra que não faltasse nenhum cheiro que você quisesse colocar no seu sonho. Você sorria, olhava dentro da minha alma e pedia pra que eu fosse devagar. Pra não comer com pressa e aproveitar. Como não ter pressa ou agonia, se amanhã eu vou beber o teu vinho em uma taça só?
Então você partiu, lavou toda a sua louça. Jurou que um dia voltava pra minha cozinha e que me manteria informado. Manteve. Honrou com cada maldita palavra que um dia você disse no meu lençol. Foi por isso que eu preferi preservar você. Pra que a minha imaginação não deixasse azedar o teu sabor. A gente foi cozinhando menos um ao outro. Por respeito. Pra não queimar.
Agora eu tô aqui, sorrindo pro prato que ela pediu. Lembrando do comentário que você faria se tivesse algum tempero diferente e alterasse o sabor. Deve ser culpa do teu lábio, que contornou minha boca no dia que você embarcou.
O sabor da vida mudou. Naquela noite que você me deixou.
Cozinhando.