quase deu

Ela só rodava o celular. Brincava com a película e não sabia se tirava ou se deixava ela ali mesmo que ela atrapalhasse sua visão. Pelo menos protegia. De alguma forma era só isso que ela queria no momento. Um pouquinho de proteção. Abriu a foto dele e ficava sorrindo aquele sorriso besta, que a gente não controla. Abriu a conversa entre eles e tentou escrever. Escreveu e apagou. Apagou e voltou pra foto dele. Não enviou nada. Quis deixar a vontade de conversar com ele passar. Ela só não passou.

Ele em um outro canto da cidade, terminava seu dia no trabalho. Entrou no carro e ignorou todas as conversas e grupos. Correu até a janela dela. Queria perguntar como tinha sido o dia dela, só pra poder contar como foi produtivo o dia dele. Olhou o horário e achou que ela talvez não fosse olhar. Pensou que pudesse atrapalhar a aula na faculdade ou o trânsito pra casa. Correu pra foto dela e pensou se aquela noite entre eles ia se repetir outra vez. Cheio de coisas pra contar ele preferiu guardar pra mais tarde. Guardar pra mais tarde, em alguma língua nativa, deve significar esquecer. Esquecia o assunto mas não esquecia dela. Mas resolveu não falar. Não naquela hora.

Naquele pequeno espaço entre a cama e o armário, ela já tinha dado, no mínimo, umas trinta voltas. Queria ignorar o clichê do que todas as amigas falaram. Queria curvar o orgulho e puxar um assunto. Perguntar se ele estava bem, torcendo pra que se não estivesse, ela fosse um bom motivo pra melhorar. Queria trocar a almofada cor de rosa onde repousava a cabeça, pelo jeans surrado dele que viria acompanhado de um cafuné. Mas tudo isso só poderia acontecer se ela não o procurasse. Afinal, nesse mundo onde todo mundo é o senhor da razão, querer matar a vontade de um sorriso pode soar errado.

Todos os amigos dele já sabiam dela. Aquela história que ele tinha tanto orgulho de contar, que não se importava de começar desde o início a cada amigo novo que chegava no futebol. Começa bem do comecinho, pra não perder nenhum detalhe e tentar lembrar sempre de mais um. Falava o tempo todo dela. Só não falava com ela. Se o mundo não julgasse tanto, mandaria bom dia e boa noite, até chegar o dia em que ele só precisasse rolar o corpo pro outro lado da cama e sussurrar no ouvido dela. Não parece tão difícil, bastava o ego dele permitir ele utilizar a palavra saudade quando tivesse vontade.

Então no meio do frio cada um se aquecia como podia. Ela nas cobertas. Ele nas garrafas de uísque.  Ele desejando poder contar pra ela o quanto a mãe dele suplicava para que ele encontrasse alguém. Ela podendo dizer pras amigas que encontrou um cara diferente de todos os outros. Queriam ligar no dia seguinte. Mas não existe meio termo entre fofura e chateação. Príncipe meloso ou vagabundo cheio de cuidado. Não no mundo deles. Nem mesmo no mundo que criaram pra eles. Então eles continuaram se olhando e não se falaram. Deixaram o tempo que cura tudo, curar o tesão. Deixaram esfriar o tal desejo. Até o dia que se reencontraram. Já não tinham nem saudades, muito menos assunto.

O “Oi” e “Tudo bem?” pareciam uma eternidade.

E o mundo, sem mexer um músculo e impondo suas regras medievais acabou de pulverizar mais um casal.

Que pena. Quase deu

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autor_jorge

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