Eu lembro bem, de quando você chegava na minha casa logo após o teu trabalho. Largava a pastas com teus papéis pendurada na cadeira. Tirava teus sapatos por ali e afrouxava a gravata antes de vir me abraçar. Eu tentava te avisar que eu estava suada da academia. Você não se importava nem um pouco de amarrotar tua roupa no meu corpo. Era impossível segurar um sorriso explodindo no meu rosto. Abraçava-me forte, me levantava e me carregava como se eu fosse uma criança pequena que não enxerga o palco.
Teve a primeira vez em que mudamos a cultura do nosso prato do jantar. Você me perguntava o que queria experimentar. Eu respondia que algo novo. Você me pegou pela mão e durante as noites de São Paulo viajamos na gastronomia do mundo todo. Você foi meu primeiro marroquino, meu primeiro francês e meu primeiro chileno. Não foi meu primeiro arrepio de mãos dadas, mas foi o melhor. Não foi nem meu primeiro puxão de cabelo na nuca que me fez revirar os olhos, mas foi o que eu pedi que durasse por mais tempo.
No meio do mar de coisas boas, eu queria que você entrasse pela minha porta e ficasse pra sempre. Você parecia entender tudo perfeitamente, até o triste fato de encontrar no meio da nossa divertida bagunça uma poltrona confortável. Nela você sentou, ficou e se acomodou. Não sei aonde eu errei, mas não sou tola de jogar toda a culpa em ti. Mas eu tenho saudades de quando as respostas eram além de “tanto faz” ou “você que sabe”.
Eu não esqueço nenhum detalhe nosso. Eu não sei muito bem o que é amar, mas você me fazia querer tentar construir algo parecido ao seu lado todo dia. Mas mesmo sabendo que temos tantas estações diferentes no ano e na vida. Acho que você parou no inverno mesmo com o sol do verão derretendo a minha saudade de nós dois. Doí muito ver alguém partir sem saber se um dia vai voltar, é verdade. Mas o coração aperta ainda mais quando a mesma pessoa que você amou está diante dos teus olhos, sem o mesmo brilho que você.
Então, ainda meio rouca e sem coragem, eu suplico para que você levante e vá. Já não suporto mais a sua gravata alinhada, seu celular que não para e os mesmos rituais de desculpas nos teus erros. Mesmas flores, mesmo vinho, mesmo restaurante mesmo motel. Sou dessas que gosta de acostumar com o novo, não com o mesmo. O bom é sempre bom. O mesmo é sempre o mesmo. Bom com novo é muito bom, é ótimo. Bom com mesmo dá mesmo. Mesmice cansa. No bar, na conversa e na cama.
Mas tem gente que anda com o relógio no pulso parado, o ponteiro não gira e então fica acostumado a olhar o horário no celular. Um objetivo e um objeto. Eu queria estar no lugar do telefone. Mas as minhas pulseiras enroscaram no teu relógio. Meu amor, troca a minha bateria ou a tua, por favor.
Ou a gente para por aqui, igual o teu relógio, só que pro nosso bem.