Escrevo pra você ao som da chuva, não precisa me conhecer tanto pra saber que eu adoro quando ela chega à minha janela. Lembro-me de quando nos conhecemos naquele fumódromo apertado na Augusta. A gente se escorava quase rente à porta pra chuva não apagar nosso cigarro. Eu sempre falando muito, falei tanto, que acabei me esquecendo de tragar meu cigarro até que ele apagou. Te pedi um isqueiro. Você gentilmente me emprestou. Emprestou também um pouco da tua atenção e direcionou seus olhos castanhos pra dentro dos meus durante o resto daquela noite.
Não tem como não ser clichê, mas você era desde o começo, diferente das outras chamas que já me foram oferecidas. Diferente de outras tempestades que eu já tinha passado. Sem pressa pra ir embora. Sem pressa pra molhar. No meio de todos os trovões que iluminavam brevemente a noite para depois desaparecerem, você simplesmente se manteve ao meu lado constantemente. Foi a luz presente naquela noite escura. Papo gostoso, daqueles de malandro que sabem exatamente onde a água daquela nuvem vai cair. Acendemos mais um cigarro, bebemos outros copos e então esperamos a conversa ter fim quando o uísque fez efeito.
No caminho até o seu carro, você me cobriu com a blusa que trazia amarrada na cintura. Eu nem ameacei recusar e você já envolvia meus ombros com aquele pano xadrez macio. Correu um pouco na minha frente e abriu a porta do passageiro. Enquanto você corria pela frente do carro até a sua porta eu limpava os pingos de chuva que corriam pela minha perna. Meu pensamento acelerado ainda dúvida do que estava acontecendo. A única coisa que queria era que a aquela chuva não parasse. Que você não saísse do meu lado e que ninguém me atrapalhasse nas próximas horas.
E como se fosse alguém que nunca tivesse visto chuva na vida, eu simplesmente me deixe molhar. Deixei a chuva lavar aquela minha alma cansada. A água bater pra revigorar, pra limpar as feridas passadas que sempre fizeram com que eu evitasse outros banhos e outras gotas. Molhei-me muito tempo com a água da mesma nuvem, molhei tanto que me acostumei. Sem esforço cada gota tua percorreu um vazio dentro de mim. São algumas palavras molhadas para agradecer a chuva que caiu dentro de mim.
Por pelo menos naquela noite ter me transbordado e me mostrado no sentido literal que eu posso me completar sozinha. Mas que uma companhia com essa barba por fazer e esse ótimo gosto pra vinhos, sempre são bem vindas. De coração, mesmo. Obrigado por esse teu temporal ter passado por aqui.