Lá vem você mais uma vez com esse olhar pra baixo, esse olho inchado de quem chorou durante toda a última madrugada. O prato na mesa ainda é quase que inexistente, os e-mails no trabalho continuam se aglomerando na sua caixa, se apinhando cada vez mais até somarem um número expressivo o suficiente para que você simplesmente acorde. Você ainda não mudou a foto do fundo do celular. É aquela com o efeito mais simples, que você mostrava a língua e ele fazia careta. Que vocês estavam com as mãos entrelaçadas, cabelos desalinhados e fantasiados de “casal feliz”. Foto bonita de se ver e amarga demais ainda pra se digerir.
Fico imaginando quantas vezes você ainda vai sofrer por cair de lugares que você já tinha passado do topo faz tempo. Era tão simples de notar, todo mundo conseguia enxergar, só você que não queria. Que mesmo ele sendo maior, o olhar que vinha do alto era o teu. Que o olhar mais alto, é o que consegue olhar pra baixo e acalentar, cuidar e proteger. O olhar de baixo é o que costuma fazer cara de dó e pedir tudo. Olhar que vem da parte de baixo, para em qualquer mureta, qualquer lombada é muro. Qualquer atrito é motivo pra parar e dar meia volta. O olhar mais alto vê além do muro, vê o sol se pondo. É o olhar que avisa o coração que dá pra chegar onde quer. Que autoriza o braço a pegar pela mão e deixa boca abrir e dizer baixinho no pé do ouvido: “Vamo junto, confia em mim.”
Já reli esse manual de uma mulher que sofre sozinha algumas dezenas de vezes. Vou te adiantar que ela emagrece loucamente, os olhos ficam fundos como se todo o peso da saudade dela repousasse ali. Ela adoece. Sofre alguns efeitos colaterais. Começa a querer procurar o problema que não é dela e dar a razão pra ele. Orgulho e amor próprio simplesmente desaparecem do vocabulário diário. E então ele pode ter mudado. Que a conversa dele, agora faz sentido. Ou que ainda não tinha sido visto dessa forma. Tudo era uma questão de ponto de vista. Mas meu bem, nesse papo de perspectiva já vi meio mundo colocando a Torre Eiffel na palma da mão. Colocar alguém no bolso com meia dúzia de palavras não parece ser tão complicado.
O mundo é muito pequeno pra que a gente passe mais tempo amargando lembranças do que escrevendo novas histórias. Com essa covinha que você apresenta na carona do teu sorriso, eu já estaria rabiscando outros capítulos para o meu livro. Ao invés de ficar recitando os mesmos versos. Preenche teus próprios vazios, enche teus contos com as tuas conquistas. Conta às histórias das tuas cicatrizes com deboche. Faz piada da tua desgraça e se alegra com o que você viveu. Se nem a Bahia, que é de todos os santos tem um santo só. Por que diabos você quer depositar tuas preces em alguém que nem santo é? Respeita pelo menos o resto da tua fé.
Tô aqui pra te tirar dessa confusão que você tem um tesão enorme em sempre voltar. Tô contigo pra te fazer enxergar o mundo com outros olhos além do dele. Que os olhos verdes do teu vizinho ou os óculos da tua amiga da faculdade podem limpar essa visão embaçada que você tem do mundo. Que a gente pode enxergar muita coisa junto, e se for pra acontecer, a gente pode até cruzar uns olhares uma vez ou outra por aí. Só para com essa bobagem de ficar olhando pro chão. Se você pudesse se olhar e entendesse como você fica linda olhando todo mundo lá do alto, talvez você ficasse apaixonada pelo teu próprio ponto de vista.