Você vai falar que eu preciso parar de beber, meu caro, eu até concordo com você. Mas foi bebendo que eu a encontrei pela primeira vez. Sabe aquelas coisas de tarô? Mandinga? Superstição? Sou desses que acreditam que se eu tirar a toalha vermelha da janela ela não vai saber qual é o meu andar sabe? Lembro exatamente de cada detalhe dela saindo do mar. Eu ali parado, sentado na areia, pernas esticadas, fones nos ouvidos que declamavam John Mayer e acompanhado apenas daquele livro massante. Minha única alegria era uma saudade que a música me dava que eu embebedava com meu copo de caipirinha. Foi então que você saiu devagar do mar, lentamente, para que eu realmente desistisse de tentar ler aquele livro e vidrasse meus olhos em ti.
Sem nenhuma pressa você caminhou do mar até a sua canga estendida ao lado de uma amiga. Deitou-se devagar, com a barriga pra baixo. Os cabelos ainda molhados pelo mar, não conseguiam esconder o dourado de cada fio. Você falava e gesticulava até mais rápido do que eu conseguia acompanhar. Pegou a sua amiga pela mão e a puxou pra perto. Falou algo em segredo, quase no pé do ouvido. Ela sorriu e você também. Vestiu um chapéu pequeno e bem detalhado. O seu óculos parecia ter sido desenhado exatamente para o seu rosto. Você tinha prendido a minha atenção sem nem ao menos olhar pra mim. Se isso não era o destino querendo nos juntar de alguma forma eu gostaria que você me explicasse o que é.
Ficamos lá até o sol começar o seu espetáculo particular de se pôr. Eu rodeado dos meus amigos, você com a sua amiga pra conversar e todos os olhares da praia pra iluminar. Eu ainda confabulava alguma forma tola de chamar a sua atenção. Refleti o suficiente para decidir ir embora. Sem lhe dizer uma única palavra ou ao menos tentar descobrir algo seu. Acreditei na força do meu santo e nos clichês da vida que dizem que o universo conspira a favor de quem só quer o bem. Eu só queria você. Acredito ainda que esse seja o maior bem que eu possa querer. Levantei e pela primeira vez fiz questão de que você me visse te olhando. Você prontamente retribuiu. Fazendo toda a brisa da minha última ponta simplesmente desaparecer. Gaguejei em silêncio. Acenei e você prontamente retribuiu.
Juntei minhas coisas e fui embora junto com o sol. Do caminho da praia até a casa, parei de pensar naquele rosto que podia ser de tão longe mais que tinha me encantado de uma maneira diferente. Quando a gente tá acostumado com grosserias aleatórias, o primeiro sinal de afeto retribuído faz a gente pensar que a pessoa não é do mesmo lugar que nós. Ei Lôra, se possível, me leva pra esse lugar onde todo mundo tem esse sorriso que não acaba nunca? Saí daquelas areias com um sorriso dela. Parecia mais um daqueles amores de metrô. Que quando o flerte já está no platô, alguém desce na próxima estação. Tive o tempo todo do lado dela e não aproveitei. Talvez esse seja o principal problema da gente. Esse tal de tempo. A gente deixa de buscar nossas vontades pelo tempo que podemos demorar pra conquistá-las. Nessas horas a gente esquece que o tempo passa com a gente correndo atrás ou não.
A festa daquela noite eu passei o tempo todo te procurando, encontrei olhos que hipnotizam, batons borrados, copos quebrados, corpos colados e tudo isso, procurando os teus fios de cabelo dourados. Quando o tempo da festa acabou, o sol, que tinha se despedido da gente, resolveu aparecer. Veio colorindo todo o céu, avermelhando pouco a pouco. E quando eu já sentava na pedra esperando as nuvens cobrirem aquele céu cor de vinho, você se sentou ao meu lado. Sem amigas, sem distância, sem cadeados nos portões ou sem nada que nos separasse. Pés descalços, chinelo na mão, cabelo preso com uma flor. Realmente acreditei que você tivesse caído do céu. Mas éramos apenas eu, você e o barulho das ondas. E Lôra, na batida desse som, eu passo o todo o tempo que me restar nessa vida com esse céu cor de vinho amanhecendo sobre nós.
Sem pressa Lôra, temos todo o tempo do mundo, já dizia Renato Russo.