Naquela manhã de sábado, caminhei até a caixinha das correspondências, entre as encomendas e contas, recebi um pacote muito bem embalado.
Era uma caixinha preta, amarrada por um laço azul. Deixei todas as compras no chão e abri muito curiosa aquele presente. Era um CD. De encarte simples, fundo preto e capa transparente. Um CD branco deveria ter sido usado no máximo uma vez.
Com uma caneta marca-texto da mesma cor do laço tinha uma palavra. Era o nome da música. Ou do disco.
Estava escrito “você”
Corri pra casa.
Por ser manhã ainda vestia o meu velho pijama da época da faculdade. A caixa vazia só mostrava que realmente não tinha mais nada lá dentro. Entrei em casa numa confusão e curiosidade, ainda procurando no meio do nada, alguma pista daquela tola charada.
Encostei a porta, deixei as contas na mesa, coloquei o CD no som (que já não usava fazia muito tempo). Fui até o sofá, larguei meus chinelos brancos, sentei no sofá cruzei minhas pernas como uma índia que descansava rapidamente.
Enquanto ouvia a longa introdução ia arrumando meu cabelo. Prendendo e desprendendo. Jogando-o sob o ombro. Visivelmente atrapalhada. Não me concentrava mais nele então simplesmente os soltei. Então “Você” começou e parecia que era escrita pra mim que achei, tão minha, que acreditei ser meu manual de instruções perdido.
“Você” então entoou seus primeiros versos e eram inegavelmente agradáveis. De versos simples e melodia gostosa de ouvir. Era um CD cru, daqueles gravados rapidamente. Particularmente isso não importava, sou daquelas que escutam a mesma música algumas milhares de vezes por algumas centenas de dias.
“Você” foi me fazendo companhia por toda aquela tarde. Parecia ser feita pra mim, conseguia encaixar diversas situações que aconteceram comigo nos últimos tempos entre os versos que rolavam. Depois de tanto ouvir, precisava compartilhar aquelas palavras com alguém. Queria dividir aquele nosso encaixe musical.
Compartilhei com algumas amigas e “Você” foi logo fazendo sucesso com todas. Era deliciosa de se escutar, parecia falar absolutamente o que todas queriam ouvir. Ou então, o que elas precisavam ouvir mas ninguém tinha falado.
Fui ouvindo tanto “Você”, que quando começou a fazer um sucesso relativo, todos já se lembravam de mim. Nas baladas corria desesperadamente aos braços das minhas amigas, com a bebida sacudindo pelo copo, aos berros de que “ era minha música” que estava tocando. Elas riam. Concordavam. Cantavam junto comigo. Só não acreditavam e nós.
Foi quando de tanto eu ouvir “Você” eu fui começando a me cansar, pouco a pouco. Quando me dei conta, já tinha ouvido todas as versões possíveis e imagináveis de “Você”. Tinha feito companhia em momentos extremamente marcantes. Mas já não era mais tão minha. Era como se nesse mundo onde todo mundo sabe muito de tudo, as pessoas sabiam mais de “Você” do que eu. A mágica foi indo embora. E eu nem tinha como parar de bodear de você.
Fui cansando das mesmas palavras que aos ouvidos de muitas pessoas eram novas, inéditas e geniais. Pra mim era a mesmice. O que foi me desgastando mais e mais. Fui fadando pouco a pouco “Você” ao fim que dou para todas as canções que marcam a minha vida. A minha mania triste de premiar meus problemas com ótimas trilhas sonoras.
E depois que eles se consolidam eu não consigo tirar esse maldito link entre os refrões e os bodes. Fui mudando, abaixando até a hora em que eu não conseguia mais ouvir “Você”.
Era impossível.
Aff que bode!
Hoje eu canto pouco, como se fosse apenas para curtir uma lembrança boa, de uma vida que parece que passou há tanto tempo. Eu queria ter entrado num avião para Paris ouvindo “Você”. Queria ter experimentado a pizza mais gostosa da minha vida com “Você”. Eu queria ter caminhado com ele pela mão enquanto tocava “você”.
Mas eu errei na minha dose, de vontade. E a única coisa que eu consegui pegar foi bode.
Um incrível e triste bode de “você”.