Quando eu comprei meu ingresso para a sua sessão, mesmo contra todas as críticas, sabia que estava sendo ousado. Talvez não o quanto você esperasse, mas bem mais do que a maioria acreditasse. O filme começava diferente antes mesmo das luzes se apagarem. Logo na entrada, a pipoca, que já era maior do que todas as outras que já havia pedido. Vinha acompanhada de uma caixa de madeira, onde dentro se encontravam: uma mina garrafa de vinho, uma bombinha de ar, um pequeno lenço, eu um gorro e um par de luvas. Agradeci a gentileza da atendente, apanhei meu exótico “kit de primeiro socorros” e me encaminhei rumo a aquela sala de uma poltrona só.
O filme se inicia arrebatador, sem deixar tempo para se acomodar, os diálogos vão me envolvendo cada vez mais, uma atmosfera nova vai se criando. Em meio a um cenário totalmente acinzentado, sou apresentado a uma apaixonante garota, que ilumina tudo por onde passa com suas cores e olhares que misturam inocência e sedução, sem dizer uma palavra sequer já responde todas as perguntas de quem seria a atriz principal daquele longa metragem. As fotografias seduzem, se confundem por uma juventude madura daquele sorriso largo. O cabelo que dançava descompassado quando encontra o vento ia me tirando pouco a pouco o ar. Sem que tomasse noção do que estava acontecendo, usei a bombinha de ar quase que por impulso, quase como necessidade. Suspirei aliviado e tentei me acomodar um pouco na cadeira. Havia passado um furacão diante dos meus olhos, que bom que pelo menos dentro da tela.
Cena a cena, fui me apegando (e me encantando) cada vez mais, já estava suficientemente preso naquela trama. Arrisco dizer que talvez estivesse até mais envolvido do que o mocinho clichê e padrão da Disney, que só merecia aquela mulher naquele roteiro. Em pouco mais de uma hora de filme, já tinha excelente planos para nós dois, tinha saudade sem nem ao menos conhecê-la. Estranho, mas já fantasiava todas as nossas próximas vidas juntos. Abri a garrafa de vinho, saboreando-a lentamente enquanto a admirava gigante diante de meus olhos. Nem nos vimos pessoalmente ainda e já morria de sede dela.
Cada cena sem ela me fazia querer acelerar, roteiros ou palavras já não eram mais necessários, a trilha sonora poderia estar totalmente descompassada que passaria despercebida. Já estava completamente hipnotizado por ela. E a cada passagem que a câmera dava percorrendo pelo corpo nu deitado na cama, um arrepio percorria pela minha espinha. E toda aquela harmonia já tinha me envolvido por inteiro. Eu precisava saber onde aqueles olhos abriam pela manhã. Precisava saber qual ônibus passava na minha rua que me deixasse mais próximo da cena seguinte em que ela aparecia. Eu precisava disso, mesmo que ela não me reconhecesse.
Foi quando tudo mudou, foi quando o enquadramento praticamente se estagnou em contra plongée, a visão que antes era apaixonante foi me dando medo. Todos os tons de azul se misturavam na cena, esfriando-a cada vez mais. A sala foi esfriando e eu fui me encolhendo cada vez mais numa poltrona que já tinha compartilhado tantos bons momentos naquele filme. Vesti rapidamente o gorro e as luvas numa tentativa de reaquecer o meu corpo ainda extasiado de um romance de um coração só. O olhar caloroso e apaixonante dela tinha dado lugar para um vazio. Fui acompanhando ela abandonar o pobre príncipe, entristecendo gradativamente o vilão da trama, parecia que ela não queria vence-lo, queria substitui-lo. E sem que eu entendesse os motivos das gargalhadas ela foi sumindo na tela, me deixando dúvidas, aflições e medos.
Fui dormir assustado, tentando entender se realmente era possível um sorriso tão doce, atingir um agudo tão assustador numa gargalhada. Se as pessoas que são tão envolventes podem realmente se sentirem no direito de manipular umas as outras. Enquanto os créditos passavam e ao fundo ela ainda gargalhava em meio a uma trilha triste, eu chorava sozinho na sala. Não sabia se o meu medo era de nunca mais ver aquele olhar que me esquentava em poucos segundos, ou se era desse frio assustador que congelou tudo aqui dentro, quando ouvi a gargalhada daquela piada que somente que ri dela consegue entender. Não a entendi e mesmo assim me apaixonei. Não sei se pago pra ver esse filme outra vez, ou se deixo o tempo me fazer esquecer essa imagem assustadora com a qual eu vou dormir.